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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

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Leticia Wierzchowski lança "Sal", seu vigésimo livro: "É libertador escrever um romance"

Era uma vez uma mulher que descobriu que queria ser escritora. Foi como uma anunciação: sentada à noite no escritório da confecção que dirigia, colocou uma folha à máquina, como quem não quer nada. Para passar o tempo, começou a escrever uma história. Então as palavras se desnovelaram feito mágica –descobriu, naquele momento, um poderoso sentimento de liberdade que não a abandonaria nunca mais.

Dezoito anos e 19 livros publicados depois, é com o mesmo encantamento que a escritora gaúcha Leticia Wierzchowski, 41 anos, apresenta sua vigésima história: o romance Sal, nas livrarias a partir desta sexta-feira (19). O livro conta a história da família Godoy, responsável pelos cuidados de um farol em uma ilha deserta. Dos seis filhos do casamento entre Cecília e Ivan, Julia é a que decide romper com o isolamento ao escrever um livro que, por acaso, cairá nas mãos de um professor universitário inglês. O episódio gera uma crise na família e a solução encontrada pela matriarca é tecer um tapete que conte a história do clã (a história, assim, se divide em dois narradores).

Consagrada por A casa das sete mulheres (2002), romance adaptado para seriado homônima da TV Globo, e roteirista da adaptação para o cinema do clássico O tempo e o vento, com estreia prevista para setembro, Leticia divide a rotina entre os filhos, o marido [o também escritor Marcelo Pires], os livros e projetos paralelos (como os roteiros). Mas é na escrita que, assume, encontra sua paz de espírito: "Me energizo escrevendo".

Letícia, se a conta não me falha, Sal é seu 11º romance, certo?

Sim, se contar com os infantis, é o 20º livro.

Em uma carreira relativamente breve, já que sua primeira publicação é de 1998... Você se considera prolífica?

Eu sou bem prolífica [risos].

E, nesse tempo, couberam sucessos como A casa das sete mulheres. O vigésimo lançamento tem peso diferente?

Na verdade, quando comecei a escrever, quando concluí que queria ser escritora e o que queria fazer mesmo era ficção, foi uma coisa tão clara para mim... Sempre fui criativa, fiz faculdade de arquitetura, desenhava bem. Quando saí do curso, montei uma confecção – gostava de desenhar croquis de moda, de costurar, tricotar, bordar. Sempre trabalhei muito com as mãos, isso abriu caminho para a minha criatividade. Na confecção mesmo, 18 anos atrás – não tinha internet ainda e eu estava sozinha, escutando A Hora do Brasil no rádio – coloquei uma folha na máquina. Só para passar o tempo, comecei uma história. Foi uma revelação, meu Deus, eu poderia fazer o que eu quisesse! Não precisava de física, de cálculo, de esquadro nem de papel, de tecido, nada. Podia criar um mundo inteiro se quisesse, a roupa que as pessoas usam, as casas, a cidade. Não tem limite de orçamento, é só palavra. Comecei a escrever de maneira enlouquecida. Tentei escrever de todas as maneiras e, claro, já passou um tempão, mas ainda existe em mim essa mesma alegria, sabe? É libertador quando estou envolvida com um romance. Adoro minha vida e tal, tenho dois filhos, sou feliz. Mas ter a possibilidade de entrar nessa esfera, depois de um dia realmente angustiante sativo, é um vicio.

Você, de certa forma, leva a técnica da costura e do tricô para os seus textos? Há inclusive uma imagem lindíssima em Sal da mãe tricotando um tapete para cobrir as escadas do farol enquanto espera o regresso do filho. Essa personagem é um reflexo seu?

Não, na verdade, sempre fiz uma analogia muito clara. Quando estou escrevendo um romance, conciliar a pluralidade de vozes é quase como fazer um tapete com diferentes cores. Existe uma certa dinâmica, como um organismo. Os personagens têm de se entrelaçar para construir a história. Gosto muito de trabalhar com as mãos e criar. Faço tricô, bordo muito, sempre quis usar em alguma historia essa figura. Também sou muito apaixonada pela mitologia grega. A Cecilia [a mãe] é uma espécie de Penélope [personagem da Odisseia de Homero] esperando o filho de volta.

Você acaba de mencionar um clássico da literatura presente no livro. Alguma obra te influenciou diretamente nessa escrita?

Algumas coisas, sim. O que diria de mais claro é que sou fascinada pela poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, que já é falecida, mas relativamente jovem. Ela nasceu, viveu e cresceu no porto, sua obra é muito marítima. Ela influenciou muito o romance no sentido de que a poesia dela é sobre praia, a imensidão, gregos, mitologia, a gente foi pra Portugal. Eu não conseguia parar de ler a Sophia e ela acabou sendo um apoio. Não sei fazer poesia, mas minha ficção é em homenagem a ela.

Li que você antes se sentia um “patinho feio” no meio literário. Ainda se vê assim?

Não me lembro em que contexto falei isso. Mas quando publiquei meu primeiro romance [O anjo e o resto de nós, de 1998], fui bem recebida. Depois, ficou uma coisa estável. Então A casa das sete mulheres foi uma mudança de paradigma grande. De repente fiz muito sucesso, o assunto estava na boca de todo mundo, o romance ficou 14 semanas sendo o livro mais vendido do Brasil. E aí alguns críticos e colegas não foram muito gentis. Você toma muita porrada. Não sei se era um patinho feio, mas na verdade me senti mais insegura depois do sucesso.

Nem nesse momento você perdeu a vontade de escrever que teve no primeiro dia?

Guria, nunca perdi. Graças a Deus.

Você é mãe de dois filhos, escreve roteiros e ainda é prolífica assumida. Como se organiza para escrever?

A profissão que escolhi é muito gentil comigo enquanto ser humano, mulher e mãe [de João, 12, e Tobias, 5]. Não preciso cumprir horário. A maioria das mães tem licença maternidade, tem que parar de amamentar, cumprir oito, nove horas de trabalho por dia, tem mil variantes no processo criativo.Claro, tem época em que produzo mais ou produzo menos, mas se você tem vontade e senta para escrever, não é difícil. Eu me energizo escrevendo. Enquanto acham que eu trabalho cansada, me divirto. E os meninos sabem que quando estou trabalhando em um livro, estou trabalhando mesmo.

Como é trabalhar fazendo o processo contrário? Quer dizer, seu texto foi adaptado para o audiovisual e agora você roteirizou O tempo e o vento, de Erico Veríssimo, para o cinema.

Antes de fazer O tempo e o vento para o Jayme [Monjardim, diretor do filme], fiz umas cinco séries menores de TV. O roteiro foi feito por mim e pelo Tabajara Ruas, um grande escritor gaúcho. É uma experiência enriquecedora fazer o caminho oposto do que a gente faz. No começo foi assustador, mas porque a gente está adaptando uma obra tão grande, um clássico brasileiro. Nossa, é um livro seminal no Rio Grande do Sul! Todo mundo passa por ele. Teve um período de medo e nervosismo, mas foi uma experiência longa, de seis anos. É um processo que acontece em estágios, com muita gente envolvida. Foi maravilhosa a experiência de conviver com uma obra genial. É trabalho diferente de criar: a gente estava fazendo roteiro pro Jayme, com um ponto de vista que a gente teve de seguir, orçamento...

Seu texto é bem apurado, inclusive gramaticalmente, com formas pouco usadas no discurso oral. Você tem essa preocupação?

Com o passar dos anos fui me tornando cada vez mais cuidadosa. Tinha uma vontade imensa de escrever, mas aprendi a domesticar a angústia de botar tudo no papel. Como leitora, penso que a coisa fundamental da história é a personagem, ele é a grande figura do livro. Me incomodo quando a forma limita o personagem. Ele é o meu deus.

E que personagem você seria? Vale de livros seus e de outros autores.Seu texto é bem apurado, inclusive gramaticalmente, com formas pouco usadas no discurso oral. Você tem de fato essa preocupação?

Um só é impossível! É um panteão. Mas posso te dizer vários. Sou fã do Tabajara Ruas, do Philip Roth, do John Banville, Eça de Queirós, Somerset Maugham. Quem mais? Eu diria o Nabokov. Tem tantos personagens que não esqueço, mas o mais inesquecível é o capitão Rodrigo, do Erico Veríssimo [de O tempo e o vento]. Ele é um personagem que chega causando impacto, é humano, louco, mundano, sensual, inconstante.

Você acompanhou as gravações? Como foi ver os personagens ganharem vida?


Acompanhei alguma coisa, sim. Sou bem amiga do Thiago [Lacerda, que interpreta o capitão Rodrigo] e da Vanessa [Lóes], fomos falando durante o processo. Mas é muito legal, foi uma experiência que já tinha vivido com A casa das sete mulheres – ainda mais, porque eu tinha criado os personagens. É legal sair da sua própria tela [do computador] e ver as coisas ganhando vida.
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