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Sob a sombra da capa: a valorização do símbolo heroico em frente à desilusão com o herói urbano

14 Jan 2014 - 09:58

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Reprodução

Sob a sombra da capa: a valorização do símbolo heroico em frente à desilusão com o herói urbano
Na mesma semana em que o Brasil viu os nossos agentes da lei serem truculentos com os habitantes da região da Favela da Mangueira no Rio de Janeiro, a crítica internacional selecionou “12 anos de Escravidão” de Steve McQueen como melhor filme de 2013 no Globo de Ouro®. Criado nos anos 40 e ainda hoje o maior prêmio da crítica – o Oscar® é um prêmio elegido pela Indústria cinematográfica e seus prêmios votados pela academia em um corpo de mais de 6.000 acadêmicos – o Globo de Ouro® deste ano prestigiou um filme que apesar da história parecer conhecida, não poderia conter em si crítica mais contundente ao momento em que passamos.

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Baseado em fatos reais nos relatos do próprio protagonista, o terceiro longa do diretor negro Steve McQueen (Shame, Hunger), narra a vida de Solomon Northup, um negro livre e letrado do norte dos EUA que é enganado e vendido como escravo para o sul escravagista e precisa agarrar-se a fé para reencontrar sua família. Inspirado no livro escrito por Northup no final do século 19, o roteiro permeia seu argumento com uma dúvida constante sobre até onde o homem que segura o chicote tem a culpa das feridas que abre.

Os homens brancos da trama que circula Solomon carregam consigo a dualidade da culpa e do prazer pelos papéis sórdidos ou bondosos que executam na vida do negro injustiçado. Entre Mestres do Engenho e Capatazes; empreiteiros livres e comerciantes de escravos; vemos a angústia de pessoas que viviam em padrões que não compreendiam, com valores dos quais nem sempre compactuavam, e aqueles que os faziam parecem o fazer pelo medo da insegurança que continham dentro de si. Não muito diferente dos homens que hoje executam sem preparo e utilizam-se da força para afirmar seus valores, os capatazes de McQueen carregam consigo o velho dilema do soldado que fere para sobreviver.

  

Em um dos diálogos mais importantes do filme, um ex-capataz alcoólatra e falido revela ao negro açoitado o quanto se sente arruinado por levantar o chicote contra outro humano, para logo depois trair o negro para roubar-lhe os pertences porque precisa comer. “Nenhum homem em sã consciência levanta o chicote para outro homem sem se retalhar por dentro ao fazê-lo” profere o personagem que dá alma de volta aos chicotes e cassetetes, colocando-os também como vítimas de uma problemática maior.

Tropa de Elite de José Padilha, apesar de demonstrar esquemas corruptos de forma simples e superficial, conseguiu instaurar no grande público uma ideia de Herói com seu Capitão Nascimento. Sua sequência desconstrói este herói e o coloca como vítima de um sistema maior que o controla, e tenta em seu texto politizado e unilateral estabelecer a ideia de que os antigos “heróis urbanos” – policiais, bombeiros, e outros oficiais que trabalham para manter a ordem social – se corromperam devido ao mecanismo que os gere. Assim como o carrasco que mesmo com a culpa de seu serviço executa seu trabalho por sentir-se preso aos valores que o sustenta e o mantém vivo, ou o negro que açoita o outro para também não ser chicoteado, o homem de hoje sente-se acuado de todos os lados e repleto de insegurança, culpa ou falsas certezas perde os valores pelos quais acredita lutar.

Não é a toa que esta seja a década dos Super Heróis. Encabeçados pelas duas maiores editoras de quadrinhos do mundo, DC Comics e a Marvel Comics, hoje não só produtoras de quadrinhos, mas de diversos materiais para entretenimento devido ao sucesso de seus personagens nas telonas, os vigilantes encapuzados tomaram as telas e coração das plateias que se desiludiram com a humanidade dos heróis urbanos, facilmente manipulados, mas que parece ver na humanidade dos seres extraordinários das telas uma forma mais idealizada e otimista sobre o homem. Mesmo abrindo espaço para os heróis da vida real – Mandela: Longo Caminho para Liberdade, Lincoln e Capitão Phillips narraram jornadas reais e inspiradoras – Os encapuzados ainda parecem conquistar com suas habilidades extraordinárias.



Habilidades extraordinárias também deteve Solomon Northup de “12 anos de Escravidão” que apesar de não ser um herói cultivava em si todas as qualidades de um por desejar acima de tudo o bem estar do próximo e seu direito à liberdade. Em vida, Solomon Northup foi ativista em prol da abolição da escravatura e lutou para fomentar em sua sociedade opressora os valores outrora esquecidos. Por debaixo das capas e capuzes tão adorados pelo público, estão também estes ícones de pessoas que mesmo sem compreender todo o cenário que os rodeia, voltam sua insegurança e seus anseios em prol de algo melhor.



Sejam eles meros ícones, símbolos ou ideias a serem seguidas, ganham sua vez nos holofotes por evocarem em seus espectadores um senso de justiça e respeito ao próximo há muito perdido pelos nossos heróis urbanos, os policiais em especial. Retratados hoje como carrascos a açoitar sem questionar, são também escravos a levar açoite de um capataz invisível que fere a todos nós em nosso íntimo, e nesses momentos todos nós precisamos de heróis para salvar o que ainda resta daquilo que um dia almejamos ser: algo mais que escravos do nosso estilo de vida.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.
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