A cuiabana Leila Almeida, de 67 anos, inventou a própria receita do doce cremoso com leite condensado e amendoim para atender um pedido do falecido marido. A invenção despretensiosa se tornou um dos clássicos de Leila, que passou a receber dezenas de pedidos em épocas de festa junina. Com o passar do tempo, a criação de Leila ganhou nome: “Pede, Simininu”. Através do olhar carinhoso dos filhos, o doce também se transformou em produto feito em grande escala na fábrica que eles construíram no bairro Quilombo, em Cuiabá.
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“Minha mãe sempre cozinhou muito bem, ela é uma cuiabana legítima, filha de cuiabanos. Carrega as raízes, tradições e o linguajar cuiabano. Uma vez meu pai viajou e comeu um doce parecido, falou para ela fazer para ele. Não saiu como o que ele tinha comido, mas saiu um doce de pé de moleque e ficou muito bom. Isso tem muitos anos, meu pai já faleceu há 25”, conta a filha de Leila, Carla Almeida, de 44.
A ideia de transformar o Pede, Siminu em um negócio começou com Guilherme de Almeida, de 39, que percebeu que a produção da mãe tinha demanda suficiente para ser mais que “ uma renda extra”. Guilherme propôs à irmã que eles abrissem uma fábrica e investissem em maquinários, já que Leila fazia tudo manualmente.
Carla lembra que viu de perto a quantidade de pedidos que a mãe recebeu entre junho e julho de 2020, no auge da pandemia da covid-19. Ela conta que morava em Portugal e viajou para visitar a mãe em Cuiabá no final de 2019, mas não conseguiu retornar ao país em que morava com a filha já que os voos começaram a ser cancelados por conta do vírus que se espalhou rapidamente pelo mundo.
“Até então, minha relação com o Pede, Simininu era de ver minha mãe fazer, encarava como uma rendinha extra para ela mesmo. Quando vi essa demanda que ela recebeu entre junho e julho de 2020, lembro que ela ficou com uma bursite de tanto mexer as panelas, então tive que ajudar ela a fazer. Foram dois meses de loucura. Todos com saudade das festas juninas”.
Em agosto de 2020, Carla finalmente conseguiu voltar para Portugal, mas sem perspectiva de uma vacina para covid-19, ela precisou enfrentar outro lockdown no final daquele ano e lidar com o momento de incerteza financeira causada pela pandemia.
“Começou a me dar desespero de pensar no dinheiro que estava acabando, a falta de perspectiva de vacina… Teve um dia que surtei, liguei para o meu irmão e perguntei se a proposta da fábrica estava de pé ainda. Decidi voltar para fazer o Pede, Simininu ser uma coisa profissional, com intenção de dominar Mato Grosso, Brasil e o mundo. Não era para ser pequeno”.
Antes da fábrica, doces eram produzidos na casa de Leila, com embalagens simpes e representavam renda extra para a cuiabana. (Foto: Arquivo pessoal)
Pede, Simininu!
Carla conta que o nome Pede, Simininu foi criado e registrado pela mãe há 25 anos, o que a filha considera ter sido “uma sacada”. Leila se inspirou na história contada sobre o do pé de moleque para nomear seu doce de leite condensado e amendoim. Na época, ela fazia marmitas para sustentar a filha após a morte do marido e sempre mandava um doce de presente para os clientes.
“Todo mundo pedia para ela colocar o doce. Um dia ela decidiu dar o nome de ‘Pede, Simininu’, porque ela foi ver a história do pé de moleque: as doceiras faziam, colocavam para secar na janela, os meninos passavam e pegavam, então elas diziam ‘não rouba, pede, moleque’. As pessoas já pediam para ela mesmo, então, ela deixou como Pede, Simininu”.
Antes do doce de amendoim ganhar uma fábrica própria em Cuiabá, outra filha de Leila também se aventurou com as vendas do Pede, Simininu. Carla conta que a irmã, Paula Almeida Teibel, de 42, é advogada e na época era servidora pública, passava por dificuldades financeiras e resolveu pedir para a mãe ensiná-la a fazer a receita.
“O ‘trem’ começou a crescer. Foi uma época que ela começou a ganhar mais com o Pede, Simininu que no serviço público. O Guilherme disse para a Paula para eles investirem em uma fábrica, mas ela negou, porque já tinha passado o período atribulado da vida dela. Ela estava saindo do serviço público para um escritório”.
A ideia de Guilherme ficou adormecida até que ele e Carla começaram a executar um plano de ação para transformar em realidade a fábrica Pede, Simininu. Depois, Paula também entrou na sociedade com os irmãos, que ainda contam com as dicas do irmão mais novo, Diego Bertolini, de 38, que é chef de cozinha.
Com a criação da fábrica, administrada por três filhos de Leila, doce ganhou emabalagens personalizadas. (Foto: Arquivo pessoal)
“Voltei em janeiro de 2021 para Cuiabá, ainda ficamos fazendo o trabalho de analisar quais seriam os maquinários. É muito difícil sair de uma panela pequena, onde minha mãe fazia, com apenas uma lata de leite condensado e escalar para uma produção maior com dez latas de leite condensado e acertar o ponto”.
Os estudos sobre a receita, maquinários, funcionamento e administração de uma fábrica se estenderam até janeiro de 2022, quando os irmãos encontraram um imóvel. Carla conta que eles escolheram inaugurar a Pede, Simininu em junho daquele ano, em homenagem a história da mãe, que sempre fez sucesso com o doce nas festas juninas de Cuiabá.
“Meu irmão é muito técnico, eu sou a que executa. Então, ele pesquisou muito sobre os maquinários. No espaço começamos a testar tudo que a gente já sabia na teoria. Abrimos em junho de 2022, porque era época de festa junina e não poderíamos perder esse gancho”.
De Cuiabá para o mundo
Desde que abriram a fábrica, o doce criado pela mãe e transformado em produto pelos irmãos tem atravessado fronteiras. Carla explica que a intenção é de que o Pede, Simininu se torne parte da cultura regional de Cuiabá, onde pode ser encontrado nas unidades do supermercado Big Lar e em alguns restaurantes.
“Quando levo para Portugal todo mundo quer, tenho amigas que levam de presente para outros países, esses dias enviamos para a Índia em uma conferência. Minha filha que está em Portugal ama, não vejo a hora de poder comercializar lá também. Queremos levar Cuiabá para o Brasil e para o mundo”.
Leila, os quatro filhos e o neto, Carlos Henrique, que estampa as embalagens dos doces de amendoim criados pela cuiabana. (Foto: Arquivo pessoal)
Apesar de Leila não estar na linha de frente da produção dos doces de amendoim cremosos, Carla brinca que ela é a garota propaganda do Pede, Simininu. Ela lembra que a mãe, mesmo sem fazer ideia de que a receita criada por ela despretensiosamente ganharia uma fábrica, costumava dizer que estava deixando um legado para os filhos.
“Ela falava que um dia a gente pagaria royalties para ela. Nunca imaginei que hoje estaria à frente da fábrica. Quando lembro dela mexendo a panela de doce e que eu dizia para ela fazer de outra forma para ter lucro, ela dizia que estava deixando uma herança para eu e meus irmãos, que um dia a gente ganharia dinheiro com isso”.
O Pede, Siminino é carregado de histórias da família de Leila, seja pelo rosto do neto que estampa as embalagens ou das memórias dos filhos de quando ela preparava centenas de doces. “Sempre pedia para ela deixar a panela para eu raspar, porque ficava só o doce cremoso de leite condensado. Era a parte que eu mais gostava. Lembro muito disso, de raspar a panela para comer o fundinho. E escondido dos meus irmãos, porque todo mundo ficava perguntando. Essa é minha recordação de infância”.