Obra da sul-coreana Min Jin-Lee, "Pachinko" narra a saga de três gerações de imigrantes coreanos no Japão do século XX. A adaptação de oito episódios pelo streaming da Apple estreia no dia 25 de março.
Na virada de 2020 para 2021, entrei na chamada “hallyu”, a onda coreana. Quem me deu boas-vindas foi a boyband BTS. Depois de ouvir repetidas vezes as músicas mais recentes, bateu a curiosidade sobre outros aspectos da cultura coreana: a comida, as séries, filmes e, é claro, a literatura. Notei que, em verdade, eu nunca tinha lido um livro de um autor ou autora sul-coreano. Procurei listas de indicações. Ainda quero fazer um texto com os títulos que mais gostei até o momento, mas hoje foco minhas energias em "Pachinko", da autora Min Jin Lee.
"Pachinko" não foi o primeiro livro que li pelo tamanho. São 639 páginas narrando três gerações da família de Sunja. Embora a trama seja multifocal, considero Sunja o principal fio condutor (embora seus filhos e netos tomem a frente na segunda metade da história). Na verdade, "Pachinko" começa antes mesmo do nascimento de Sunja. A abertura é em 1910 em Yeongdo, vila de pescadores próxima a Busan (cidade portuária na Coréia do Sul), quando os pais de Sunja se conhecem e casam. Eles criam a filha única em uma estalagem onde os principais clientes são pescadores.
Na adolescência, três eventos marcam a vida de Sunja: a morte do pai, a invasão japonesa e o momento em que ela conheceu Hansu. Mais velho, empresário, sempre bem vestido em um lugar onde todos tinham uma vida humilde, Hansu e a adolescente Sunja vivem um caso secreto. Sunja engravida. Só então ela descobre que Hansu, um homem coreano, é casado com uma mulher japonesa e rica, com quem tem filhas. Desesperada, a adolescente aceita o pedido de casamento de Baek Isak, pastor protestante hospedado na estalagem da família por período prolongado para tratar de um caso grave de tuberculose. Isak tem um irmão em Osaka, no Japão, para onde o casal se muda após o casamento.
E é de Osaka, no Japão, que acompanhamos a maior parte da saga familiar. As tensões entre Japão e Coréia se agravam durante a Segunda Guerra Mundial. As gerações seguintes, apesar de nascidos no Japão, continuam com cidadania coreana (sem a possibilidade de voltar para a Coréia). Descobrimos mais sobre Hansu e seu envolvimento com a máfia japonesa. É impossível largar a leitura quando a família desloca-se para uma fazenda para fugir dos bombardeamentos da guerra. Depois disso, os filhos de Sunja, Noah e Mozasu, ganham primeiro plano.
A troca de foco em histórias, em geral, apresenta problemas. Nos apegamos a certos personagens e não queremos percorrer a trama pelos olhos de outros. No entanto, em "Pachinko", Noah e Mozasu conduzem o fio da meada com o mesmo potencial de imersão de Sunja (talvez um pouco menos, na minha opinião, mas nada que faça a leitura ficar desinteressante). A família começa a prosperar novamente quando Mozasu envolve-se com o pachinko.
Se você está se perguntando o que é pachinko, o livro explica: Mistura de pinball e caça-níqueis, pachinko é um jogo de azar extremamente popular no Japão. Na lei japonesa, jogos de azar são proibidos há anos, mas o pachinko ocupa uma zona cinzenta, entre o legal e o ilegal, o que permitiu sua sobrevivência até hoje. A grande maioria dos salões de pachinko são comandados por “zainichi", imigrantes coreanos residentes no Japão.
Eu só não digo que esse livro é perfeito por um motivo: na segunda metade, histórias avulsas nos desviam da trama principal. O propósito é mostrar um panorama mais amplo da discriminação sofrida por coreanos residentes no Japão. Lendo sobre como Min Jin Lee escreveu a obra, descobri que ela conduziu várias entrevistas sobre o assunto. Estas histórias avulsas, suponho, são frutos dessa pesquisa que, em minha opinião, sobram na história. Ao invés de enriquecê-la, têm o efeito contrário: empobrecem a narrativa. Desconsiderando isso, é uma leitura fenomenal.
Vai virar série!
A adaptação de oito episódios pelo streaming da Apple TV estreia no dia 25 de março. Pachinko será uma das maiores e mais caras séries da plataforma, com orçamento equivalente ao de The Crown, da Netflix.
O elenco contará com Lee Min-ho (Boys Over Flowers, The Heirs), Jin Ha (Devs, Love Life), Anna Sawai (Velozes e Furiosos 9, Giri/Haji), Minha Kim (Call, After Spring), Soji Arai (Cobra Kai, Legacies) e Kaho Minami (Angel Dust, Household X). A estreia global acontece nesta sexta-feira (25 de março) com os três primeiros episódios. Depois disso, novos episódios serão lançados semanalmente.
Sobre a autora
Nascida em 1968 em Seoul, na Coréia do Sul, Min Jin Lee é de “Free food for millionaires” e “Pachinko”. Escreveu para as publicações The New York Times, Condé Nast Traveler, London Times, Vogue, Wall Street Journal e Food & Wine, entre outros. Atualmente, mora em Manhattan, Nova York.
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STÉFANIE SANDE é escritora, autora dos romances “O último verso” e “Virgínia”. É mestre e doutoranda em escrita criativa pela PUCRS.