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Domingo, 28 de abril de 2024

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Autor de 'O lado bom da vida' lança livro sobre bullying e 'depressão teen'

Fazia três anos que Matthew Quick vinha escrevendo continuamente – e nada de conseguir publicar ou ganhar dinheiro com a atividade. Um dia, resolveu fazer cooper e, no meio do caminho, olhou para o céu, viu umas nuvens iluminadas pelo sol e teve o que chama de "pensamento mágico". O primeiro impulso, recorda, foi censurar a inspiração. Mas resolveu investir. Se não tivesse persistido, Jennifer Lawrence não teria hoje um Oscar de melhor atriz na estante.

"Quando terminei minha corrida, comecei a escrever imediatamente", conta Quick em entrevista ao G1. O resultado foi o livro "O lado bom da vida" (2008), que virou um filme premiado, com Jennifer e Bradley Cooper no par central. "O filme fez muitas pessoas lerem meu trabalho e falar honestamente sobre problemas de saúde mental", avalia o autor. Diz isso porque o protagonista tem transtorno bipolar.

O próprio Quick recorda-se que, na adolescência, sofreu com depressão e ansiedade. É algo também enfrentado pelo personagem principal de seu livro mais recente, "Perdão, Leonard Peacock" (Intrínseca), que acaba de sair no Brasil. Quick esteve no país recentemente para divulgar o trabalho e participou da Bienal do Livro do Rio neste sábado (31).

Leonard está para a fazer 18 anos de idade, e sua ideia de celebração é exemplar do desajuste: planeja assassinar o ex-melhor amigo e, depois, se suicidar. O material de divulgação descreve que, antes de cometer o crime, o jovem "quer encontrar e se despedir das quatro pessoas mais importantes de sua vida: Walt, o vizinho idoso viciado em cigarros; Baback, iraquiano que estuda na mesma escola que ele; Lauren, a garota cristã de quem ele gosta; e Herr Silverman, o professor de alemão". Segundo o texto, "Matthew Quick instiga o debate sobre a violência e o bullying".

Na entrevista Quick, que antes de ser escritor em tempo integral foi professor de inglês, comenta que o filme está a caminho e arrisca uma escalação de elenco. Também cita seus “heróis” – entre eles, Kurt Cobain e Martin Luther King. Leia, a seguir, os principais trechos:

G1 – Você já disse que ‘toda escola tem um Leonard Peacock’. Na sua turma, era você quem fazia esse papel?
Matthew Quick – Eu nunca levaria uma arma para a escola. Nunca fui violento. Mas, em segredo, eu estava lidando com depressão e ansiedade quando era adolescente. Houve momentos nos quais eu sentia que não tinha lugar para mim no mundo. Muitas vezes, me sentia uma aberração ou um pária, embora eu fosse realmente bom em me integrar. Minha adolescência foi muito confusa e com bastante carga emocional.
G1 – Uma das mensagens do professor Herr Silverman em ‘Perdão, Leonard Peacock’ é: ‘Ser diferente é bom. Mas ser diferente é difícil’. Concorda com ele?

Matthew Quick – Muito. As pessoas que têm uma visão única do mundo nos dão arte, música e novas ideias. Mas elas pagam um preço por serem diferentes. Ernest Hemingway, Kurt Cobain, Sylvia Plath, Martin Luther King Jr., Hunter Thompson e vários outros são meus heróis, e todos eles pagaram um preço alto porque eram diferentes.

G1 – O livro pode ajudar leitores adolescentes que têm de enfrentar problemas típicos da idade?
Matthew Quick – Eu, sinceramente, espero que sim.
G1 – Você, quando era adolescente, tinha um personagem de ficção que lhe servia de modelo?
Matthew Quick – Fui muito influenciado por Billy Pilgrim, o protagonista de “Matadouro 5”, escrito por Kurt Vonnegut.
Eu nunca levaria uma arma para a escola. Nunca fui violento. Mas, em segredo, eu estava lidando com depressão e ansiedade quando era adolescente."
Matthew Quick, escritor americano
G1 – Se em ‘Perdão, Leonard Peacock’ seu interesse não era explorar a violência associada às armas de fogo, qual era, então, o ‘objetivo’?
Matthew Quick – Eu sou um escritor guiado pela voz [narrativa]. Ouço uma voz na minha cabeça e deixo que ela fale. A voz de Leonard veio até mim já completamente definida, e eu a registrei com obediência. Se você fizer uma avaliação psicanalítica, vai dizer que todas essas vozes borbulham de meu subconsciente, e eu não discordaria disso. Meu subconsciente provavelmente estava expondo muitas coisas enquanto eu escrevia este livro.

Acima de tudo, eu estava explorando a intensa solidão que alguém pode sentir quando está cercado por outras pessoas. Também estava explorando muitas questões não resolvidas que haviam sido deixadas para trás durante meus tempos de professor.

G1 – Em uma entrevista, você falou que ‘em toda escola há professores heróis ajudando anonimamente adolescentes com problemas’. Você tentava ser esse tipo de professor?

Matthew Quick – Com certeza. Meus antigos alunos lhe diriam que Herr Silverman e eu temos muito em comum.

G1 – É verdade que já estão trabalhando na adaptação de ‘Perdão, Leonard Peacock’ para o cinema?
Matthew Quick – Sim. A Weinsten Company adquiriu os direitos do livro. James Ponsoldt está trabalhando no roteiro neste momento.

G1 – Quem você gostaria que estivesse no elenco?
Matthew Quick – Eu acho Dane DeHaan [o Harry Osborn de ‘O espetacular Homem-Aranha 2’] seria um Leonard fantástico. [Gostari de ver] Christoph Waltz como Herr Silverman e Philip Syemor Hoffman como Walt.
G1 – Como foi continuar escrevendo depois que ‘O lado bom da vida’ fez sucesso? Sentiu-se pressionado para fazer um novo best-seller?

Matthew Quick – Apenas tento continuar sendo eu mesmo – e continuar contando histórias que apenas eu mesmo posso contar. A escrita é o lugar aonde vou para escapar de toda a pressão, hype e tudo mais. Sempre digo [para mim mesmo]: “A escrita vai lhe salvar”. E não a publicação [do livro]. É a escrita. E, assim, prossigo encarando a página e fazendo aquilo que tenho de fazer.

Encontrei Bradley algumas vezes. Ele foi a primeira pessoa a se apresentar para mim quando visitei o set de filmagens. Bradley foi muito gentil e sempre mencionava meu nome em entrevistas, gostei muito disso."
Matthew Quick, escritor americano

G1 – Alguém já explicou a você o significado do título em português de ‘O lado bom da vida’? Ele soa otimista.
Matthew Quick – Pelo fato de, na maioria das línguas, não haver uma palavra equivalente a ‘playbook’, o título fica difícil de traduzir. Um ‘playbook’ se refere a futebol americano. É um livro cheio de jogadas que um time pode executar. Além disso, um ‘silver lining’ se refere ao esboço de luz muito brilhante do sol surgindo por trás de uma nuvem, e é uma metáfora para encontrar o lado bom em uma situação ruim. Esta é uma expressão muito típica da língua inglesa, e diversas vezes não pode ser traduzida diretamente. Acho que Pat Peoples [protagonista da obra] gostaria muito do título brasileiro do livro, porque ele está sempre tentando encontrar o lado bom da vida.

G1 – Qual a sensação de ter um filme baseado em ‘O lado bom da vida’?
Matthew Quick – Surreal. Muito estranho e, ainda assim, bonito. Excitante. Gostei bastante da adaptação do David O. Russell. Mas fico com o livro. O romance é minha visão. O filme dele fez muitas pessoas lerem meu trabalho e falar honestamente sobre problemas de saúde mental. Sou muito grato por ambas as coisas terem acontecido.

G1 – Você chegou a se encontrar Bradley Cooper e Jennifer Lawrence?
Matthew Quick – Encontrei Bradley algumas vezes. Ele foi a primeira pessoa a se apresentar para mim quando visitei o set de filmagens. Bradley foi muito gentil e sempre mencionava meu nome em entrevistas, gostei muito disso. Encontrei quase todo mundo que estava envolvido com o filme, mas nunca conversei com Jennifer Lawrence.
G1 – Como foi lidar com o sucesso decorrente do Oscar?
Matthew Quick – Foi um pouco opressivo, em princípio. Sou muito grato por toda a atenção e pelos novos leitores. Eu sempre acreditei na história, mas tive de me beliscar quando fui para o Oscar. Foi, definitivamente, um grande momento.

G1 – Você se incomoda quando perguntam se, em seus livros, há elementos da sua vida pessoal?
Matthew Quick – Eu nunca me incomodo quando as pessoas me perguntam sobre meu trabalho, embora esta seja uma pergunta difícil de se responder diretamente. Escritores de ficção fazem mentiras parecerem mais verdadeiras do que a realidade. Meus livros não são literalmente sobre minha vida, mas metaforicamente têm muita relação com coisas com as quais me importo ao máximo. Meus amigos e minha família diriam que eu estou em cada página dos meus livros. Quero crer que queiram dizer isto: meus livros são uma representação autêntica de quem eu sou, ainda que metaforicamente.

G1 – Algum episódio, em particular, inspirou você a escrever ‘O lado bom da vida’?
Matthew Quick – Fazia quase três anos que eu estava escrevendo sem ganhar nada por isso, e estava começando a achar que nunca publicaria. Um dia, saí para uma corrida. Era uma tarde fria de inverno. Muito cinza e sombria. Na metade do percurso, olhei para cima e havia uma nuvem ‘desenhada em seu contorno’ pela luz do sol, que estava escondido atrás dela. Era tão lindo.

Eu pensei: e se isto for um presságio? E se ver esta beleza significa que vou reproduzi-la como escritor de ficção? Imediatamente, comecei a censurar a mim mesmo por causa daquele pensamento mágico. Mas então eu pensei: e se eu me permitisse acreditar que foi um sinal? E se essa crença me desse esperança suficiente para continuar escrevendo? Em seguida, pensei: e se eu tivesse um personagem que acreditasse que ver nuvens delineadas pelo sol significava que a vida dele estaria ok? E se meu personagem usasse esse pensamento delirante como motivação para superar momentos difíceis? Quando terminei minha corrida, comecei a escrever imediatamente.

G1 – Por que escrever sobre uma doença mental? Fez algum tipo de pesquisa, conversou com pessoas com transtorno bipolar severo?

Matthew Quick – Não estou certo de que alguma vez tenha decidido escrever sobre doença mental. Mas meus personagens acabam tendo vários problemas de saúde mental. Acredito que romancistas escrevem sobre as coisas que mais lhes importam. Trabalhei numa unidade de internação neurológica, primeiramente com pessoas que tinham sofrido lesões cerebrais traumáticas. Também trabalhei com adolescentes que tinham sido diagnosticados com autismo severo. Aconselhei adolescentes problemáticos quando eu dava aulas. Muitos estavam sofrendo de depressão. E também conheço, intimamente, os altos e baixos da vida. Eu enfrentei depressão e ansiedade por muitos anos.
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