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Sexta-feira, 03 de maio de 2024

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Malick é quase outra arte

Se na literatura alguns escritores podem ser identificados pela leitura de um único parágrafo, no cinema, alguns diretores são reconhecidos por apenas uma cena, ou até mesmo, um plano. Este é o caso de Terrence Malick, diretor de Amor Pleno (2012), filme que estreou nos cinemas brasileiros em 2013, e passou longe das salas comerciais de Cuiabá

Neste longa é contada a história do frio e distante Neil (Ben Afleck) e da francesa Marina (Olga Kurylenko), que vêm ou voltam (não fica claro) de Paris para uma cidade interiorana dos Estados Unidos da América. Por meio de numa narrativa pouco linear, o espectador tem contato com momentos bons e ruins da relação que culmina em rompimentos e reconciliações.





E acrescentada a essa estrutura narrativa, está a forma como o filme é montado, intercalando as cenas de euforia e depressão. Embora olhares desatentos possam negar a relevância de alguns planos, devido ao ritmo lento do longa, não há a trivialidade comum aos planos de transição.

Os espaços em branco existem, e estão diluídos por toda a obra, provocando um exercício continuo de observação e reflexão, e não de descanso. Boa parte do estilo de Malick se dá em ocasião de seus roteiros carregados de filosofia, espiritualidade e poesia, onde os personagens constroem divagações em locução off, com importância superior aos escassos diálogos, elementos que mais uma vez são reafirmados na obra malickiniana.

Também a direção, exercida com autoria, faz até mesmo Ben Afleck soar um grande ator, no papel do infeliz Neil, personagem que, tal como Bentinho desvirtuou Capitu, leva a paz de Marina e de Jane (Rachel McAdans) com quem também se envolverá.

Mas talvez, a parte mais marcante nas últimas obras de Malick (O Novo Mundo, 2005 e Árvore da Vida, 2011), seja a parceria com o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki. Tal duo proporciona, mais uma vez (talvez, até mesmo mais latente nesta obra) uma fotografia contemplativa, que valoriza a beleza natural.

A quantia exorbitante de feixes de luz solar, não fica gasta, e não sobra, por conta da unidade fotográfica da obra que compõe toda a filmografia recente do diretor. Tanta agregação de valor estético por meio de Lubezki pode implicar ao público sensações que vão além dos sentidos filosóficos do texto, há algo que impacta diretamente as sensações, dada a fascinação pelas imagens.

Alguns fãs do respeitável Javier Bardem devem repetir a insatisfação dos enamorados de Sean Penn que, em Árvore da Vida, tem um personagem de ações modestas. Bardem interpreta um padre que dirige uma igreja esvaziada e constantemente se questiona quanto a sua fé.



O religioso não tem sua redenção e Malick não tenta e nem quer responder as perguntas que faz. É curioso pensar no exercício filosófico proposto pelo título nacional “Amor Pleno” (originalmente, To The Wonder), pois o amor vivido por Neil e Marina não é de fato pleno.

Estaria o distribuidor aqui no Brasil, provável responsável pela versão, habilitado de forma autoral para propor tal provocação? Mesmo sem querer defender hierarquias no cinema, mas o título soa, no mínimo, incoerente. O filme é singular, como toda a filmografia do autor. Uma obra que lembra muito, até mesmo pela temática, o cultuável Árvore da Vida, mas soando como uma versão um pouco fraca. Em tempos de pioramento contínuo, de obras que já nascem pioradas, logo veremos continuações bizarras que terão dois dígitos no título. Esse é claro, não é o caso de Amor Pleno, quase uma outra arte.

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