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Domingo, 28 de abril de 2024

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João Botelho e Pedro Filipe Marques conversam sobre o futuro do cinema português, atingido pela crise econômica

Eles representam duas gerações do cinema português: o veterano João Botelho, 64 anos, autor de 14 longas, com participações nos principais festivais do mundo; e o jovem Pedro Filipe Marques, 37, conhecido por um elogiado documentário de estreia, “A nossa forma de vida” (2011). Apesar das trajetórias distintas, ambos foram atingidos em cheio pela crise econômica, que obviamente não poupou a produção artística. No Rio para apresentar seus filmes na II Mostra Cinema Português Contemporâneo, que vai até quinta no Instituto Moreira Salles, nenhum deles está otimista quanto ao futuro de sua profissão.

— No ano passado, Portugal não produziu nenhum filme — diz Botelho, que apresentou no sábado seu último longa, “Filme do desassossego”, de 2010. — Os que saíram agora foram feitos com financiamentos de anos anteriores. Por mim, tudo bem, já fiz meus filmes, fui um privilegiado. O problema são as novas gerações... Pessoas como ele, aqui (aponta para Marques), não sei como vão fazer.

Marques complementa:

— Meu futuro é tentar trabalho em outras coisas, como teatro, televisão etc. Só um maluco pode achar que conseguirá viver de cinema no momento. Para quem quer começar, não há nenhuma perspectiva.

Estilo artesanal

Não que a limitação de recursos seja exatamente uma novidade em terras lusas. Prestigiada na Europa, com obras presentes em todos os grandes festivais, a produção portuguesa sempre buscou inspiração na escassez. Um cinema “frágil”, como explica Botelho, barato e diferente de tudo. Por ser um país pequeno, incapaz de produzir uma indústria, seus cineastas conseguem criar livremente, longe da pressão do mercado.

A lógica de produção resultou num estilo mais artesanal, com mais representação do que realismo, mais composição do que ação, mais poesia do que prosa (vale lembrar que o primeiro e o último longa de Botelho, “Conversa acabada” e “Filme do desassossego”, são inspirados na obra de Fernando Pessoa). Uma originalidade que nos anos 1980 fez o lendário crítico francês Serge Daney, morto em 1992, definir Portugal como o lugar “com mais cineastas interessantes por metro quadrado”.
— Sempre que se tentou criar uma indústria no país houve mais prejuízo do que lucro — explica Botelho. — Porque quando o filme comercial faz sucesso, é um sucesso local. E como o país é pequeno, acaba vendendo poucas entradas. Já o filme de arte e ensaio é mais barato e ainda vende para fora. O custo-benefício é muito melhor. Uma venda para a TV a cabo estrangeira equivale a mais de 100 mil ingressos por aqui.

O problema, porém, é que, de dois anos para cá, nem com escassez se está conseguindo produzir. Marques levou três anos para fazer “A nossa forma de vida”, um documentário que acompanha o cotidiano de um casal junto há seis décadas. Em seu apartamento no Porto, os dois comentam a realidade externa, reinventando à sua maneira o que se passa lá fora — e oferecendo uma visão peculiar da crise econômica. Premiado em diversos festivais, o longa é um exemplo do “cinema do possível”, feito com os poucos recursos à disposição.

— Fiz com digital, sem dinheiro e usando o pouco som que consegui achar — conta Marques. — Vou tentar dirigir mais um longa neste ano, mas com as mesmas condições.

Atores sem trabalho

Enquanto não filma, Marques ganha a vida trabalhando para colegas. Ele montou filmes para diretores importantes, como Pedro Costa (no premiado “Juventude em marcha”) e o próprio Botelho. Mas, com a crise atingindo inclusive a TV, os trabalhos paralelos também estão minguando. Técnicos e atores não podem sequer apelar para atividades fora do cinema.
Botelho, que prepara uma adaptação de “Os Maias” com coprodução luso-brasileira, teve que diversificar. Dirigiu peças de teatro e até uma ópera.

— Os canais deixaram de fazer novela, não tem trabalho nem mais na televisão — lamenta João Botelho. — Conheço dezenas de atores muito bons que estão servindo copos em bares. Sobrevivem com € 500 por mês. Meu filhos também estão fazendo cinema. São uns malucos...
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