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Domingo, 28 de abril de 2024

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morte trágica

Com amor, Liza é o filme que mais revela a natureza inquieta do ator Philip Seymour Hoffman

Foto: Reprodução

Com amor, Liza é o filme que mais revela a natureza inquieta do ator Philip Seymour Hoffman
Ele se foi. E não irei lembrar apenas de seus cabelos loiros e olhos claros. Não irei lembrar apenas dos filmes mais marcantes, ou de sua tímida atuação em Patch Adams. Não irei lembrar dele como Capote, em que tão diferente de si próprio, soube dar vida ao escritor e jornalista americano. Sim, ele se foi. E a única coisa que guardo em minha mente é sua atuação no filme Com amor, Liza (2002). É aí, em quase 1 hora e meia de filme, que Philip Seymour Hoffman demonstrou todo o seu ardor, em um conflito tão bem encenado, que nos questionamentos se retrata a sua própria história ou se é mesmo uma ficção.

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Hoffman foi encontrado morto no domingo (2), em seu apartamento aos 46 anos. Ainda não há perícia sobre a causa da morte, porém, dependente químico que lutava contra o vício há anos e também contra a depressão, Hoffman trazia o símbolo da sua doença no braço: uma agulha jazia em suas veias e o líquido contido era a heroína.

O que isso tem haver com o filme? Talvez nada, talvez tudo. As redes sociais foram um mar revolto de fãs e outros não tão fãs assim, expressando a indignação com a trágica morte do ator. Comentários como “ele foi egoísta” ou “tinha tudo porque precisou se acabar nas drogas” invadiram o oceano virtual.

Além de lutar contra a depressão, Hoffman também lutava contra a dependência de heroína, e a sua morte reflete o despreparo das políticas de saúde com relação aos dependentes químicos, e principalmente, de suas intrínsecas relações com as doenças mentais, neste caso, mais precisamente, a depressão.

Sim, a heroína pode ser a vilã da história, mas nos revela tanto de Hoffman quanto sua atuação em “Com amor, Liza”. A droga é uma fuga, um escape para os problemas cotidianos, e a relação com o dependente é de escravidão.

O ator estava refém da sua própria doença, refém em seu próprio corpo, refém da sua própria mente. É fácil julgar quando não estamos no lugar do outro. É clichê dizer isso, mas é verdade. Apontamos o dedo, mas dificilmente, nos enxergamos como o outro.

Em “Com amor, Liza” Hoffman interpreta um web designer bem sucedido, chamado Wilson. Mas, a sua vida sofre uma trágica reviravolta com o suicídio da esposa, Liza. Em seu luto, Wilson busca se entorpecer da realidade fatídica, de todos os dias acordar e perceber que o amor de sua vida, preferiu morrer a enfrentar o que quer que fosse ao seu lado.

Na busca pelo esquecimento, para aliviar a dor, ou tantos outros motivos, Wilson fica obcecado por aeromodelos e por inalar gasolina. Uma droga tanto quanto incomum em um universo em que lidamos com cocaína, crack e heroína. Mas, Wilson busca neste ato quase suicida, encontrar-se com Liza e testemunhar a sua miséria que se espelha em seu estado alucinante de fuga da realidade.

Todas as respostas estão na carta de despedida escrita por Liza. Só que o marido não se atreve a ler e passa o filme todo, lutando contra a sua própria ânsia de perder o que restou da esposa: palavras que não conhece.

Não saber é para Wilson o que Hoffman talvez tenha buscado em sua vida e não encontrou. Não saber é passar todos os momentos para esperar que aquele específico pedaço de tempo, em que sua esposa ainda existe, não se perdesse. Não saber é manter vivo o seu amor. Não saber é a fuga e ao mesmo tempo é a busca.

Motivos para se entorpecer com drogas existem aos montes. É o exemplo de Wilson ao inalar a gasolina para tentar estancar a dor que dilacerava seu peito. Mas, condenar um ator da envergadura de Hoffman por ter escolhido este caminho é o mesmo que não ler a carta de despedida de Liza. É o mesmo que cometer o suicídio e não querer saber o porquê. É matar Hoffman mais uma vez e fechar os olhos para aquilo que não se entende. Em sua fuga e em sua busca, Hoffman optou por algo que não tem nome, por algo que desconheceu a vida toda, e quem sabe, possa ter encontrado em morte.



A nós, resta aguardar o final de cada história e torcer para que o filme possa tocar, emocionar e mudar algo, assim como a carta de despedida, lida nos últimos segundos do enredo, e que pode ser a redenção ou a ruína, depende apenas de qual ângulo é mais confortável escolher.
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