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Ninfomaníaca: A utilização do sexo como mero atrativo comercial e a desconstrução da sexualidade da mulher

04 Fev 2014 - 08:43

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Reprodução

Ninfomaníaca: A utilização do sexo como mero atrativo comercial e a desconstrução da sexualidade da mulher
Usado de maneira liberadora nos anos 60, o sexo no cinema tornou-se elemento chave para atrair público nos anos 80 e peça padrão nos filmes desde os anos 90. “Um Gosto de Mel”, filme britânico de 1961 chocara a plateia e enfrentara a crítica com sua história recheada de relacionamentos inter-raciais, homossexuais e filhos bastardos, “A primeira noite de um Homem” de Mike Nichols surpreendera a todos com sua edição com seios à mostra e musica agitada, onde sexo entre jovens e adultos ocorria no mesmo ano em que Buñuel trazia ao mundo “A Bela da Tarde” e o desejo tórrido de uma dona de casa sadomasoquista. Nesta época, sexo representava também uma revolução de ideias que trazia novos escopos da vida cotidiana para o cinema.

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(“O Gosto de Mel – 1961”, “A Primeira noite de um Homem – 1967”, “A bela da Tarde – 1967”)

Apenas uma década após os filmes de galãs e divas do cinema, o mesmo se revolucionava com a energia e o gás de uma ardente relação sexual, seja no sexo explícito de “Blow Up” de Antonioni ou nas músicas cantadas a plenos pulmões no premiado musical “Hair” que cultuava também a lisergia e a homossexualidade, o cinema utilizava a curiosidade da plateia presa aos costumes pudicos do século XIX, para instigar reflexões sobre os hábitos sociais e a liberdade sexual.

Se em “Barbarella” de 1968, a atriz Jane Fonda lutava por sua vida em uma máquina que tenta matá-la de orgasmos, os aspectos cômicos do sexo foram amplamente explorados apenas duas décadas depois nos filmes de terror e humor trash que perduraram até inicio dos anos 90. Oriundos ao surgimento do Home Vídeo, Voltados majoritariamente para o público adolescente, a banalização do sexo se torna elemento crucial para estimular a plateia e promover também os filmes de baixo orçamento lançados diretamente para as locadoras.

  
(“Barbarella – 1968”, “O massacre da Festa do Pijama – 1982”, “Porky´s – 1982”)

Em “Ninfomaníaca – Parte I”, primeira metade do mais novo trabalho de Lars Von Trier (Os Idiotas, Ondas do Destino, Dançando no Escuro) - diretor conhecido por estabelecer o manifesto Dogma 95 onde regras quanto à produção e pós-edição dos filmes definem seus trabalhos como estudos de técnica cinematográfica e reflexões complexas sobre o cinema e a realidade – o sexo vem não só como elemento principal da trama e filtro máximo da narrativa, como carrega consigo características do “sexo publicitário” dos anos 80, e perde um pouco seu impacto por isso. Trilhando os passos de uma ninfomaníaca confessa, o filme narra da infância à metade da fase adulta da protagonista. Projetado inicialmente em 5 horas de duração, a obra perde um pouco da sua força junto com seu corte.

Construído sob o diálogo entre Joe, a viciada em sexo do título e Seligman, um pescador recluso que se oferece para ouvir as desventuras da mulher que passara a vida buscando algo que a fizesse sentir-se viva, o filme intercala as sensações da vida de Joe com as noções de mundo de Seligman, que evoca a pura e inocente curiosidade – Selig é a palavra alemã para abençoado, no caso abençoado pela razão – e tenta com seus parâmetros encaixar normalidade à jornada absurda contada em cena. Definindo as emoções e desejos de Joe sobre os parâmetros da pesca; do símbolo do homem; da música e da literatura e principalmente da matemática, Selig e Trier traduzem ao espectador comum uma ânsia inexplorada, um desejo virgem e puro de uma mulher moldada pela culpa do pecado que busca livrar sua sexualidade de seu valor maligno, e tentam com as associações às artes e à cultura, mostrar normalidade nos atos supostamente vis da protagonista.

 

Obra de um diretor acostumado também ao marketing de seus filmes, Ninfomaníaca deve seu sucesso não só aos seus requintes técnicos e sua trama bem elaborada, mas também ao alvoroço que foi feito sobre seu suposto sexo explícito. Apresentado nos pôsteres do filme com seus personagens em pleno orgasmo, nos vídeos promocionais com conversas picantes e muito falatório a respeito da contratação de atores da indústria pornô para certas cenas, o filme de Trier vendeu-se para o público como um “Pornô Cabeça”, mas em essência não escapa a fórmula dos filmes dos anos 60 e do sexo produto dos anos 80.

O sexo explícito é contido em sua primeira parte, e o trailer da segunda parte durante os créditos – outra estratégia para instigar o público – promete ter as tais cenas tão comentadas, mas que agora após a apresentação da história parecem meros artifícios de atração, tão vazias quanto os dos filmes para Home Vídeo. A trama, muito mais complexa do que uma simples narrativa sobre aventuras sexuais de uma menina má, tem em sua estrutura muito mais elementos e é muito mais complexa que seios e nus frontais, talvez suficientes para as bilheterias, mas não mais suficientes para sustentar uma trama.

 

Longe de ser um dos melhores trabalhos do diretor que se distanciou aos poucos de sua proposta inicial do cinema para buscar novos horizontes, “Ninfomaníaca – Parte I” é incompleto, mas entrega durante sua duração um exercício sobre a utilização do sexo como forma de filtrar o mundo, mas não conclui seu argumento. Apesar de mostrar o domínio do diretor cada vez mais confortável com sua câmera na mão e desenvolver uma trama instigante e complexa, o corte no raciocínio sexo e o término abrupto causam no espectador a sensação de coito interrompido. Entre o cheiro de sexo, os olhos amargurados e o texto didático, porém inteligente, ficamos à fitar a cortina como quem tenta ver por através dos lençóis e descobrir se o que nos espera é prazer ou decepção. A resposta, só em março.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.

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