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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Travis estreia no Brasil e cantor diz ter emocionado Paul McCartney: 'Surreal'

"Espera um minuto, os caras da banda estão ajudando a empurrar um carro quebrado na estrada", diz Fran Healy, cantor do Travis, interrompendo entrevista ao G1. O músico diz não gostar do rótulo de "garotos bonzinhos" dado à banda escocesa. Mas é difícil dissociar suas letras sensíveis da conversa em que cita o apoio na estrada, abraços a rivais brasileiros na Copa do Mundo e a emoção de ser trilha da viagem de um fã para dar adeus a um amigo com câncer. O fã, no caso, foi Paul McCartney, dirigindo para ver George Harrison pela última vez. Ele faz parte do seleto fã-clube do quarteto.

O Travis vai fazer seu primeiro show no Brasil, no sábado (9), no festival Planeta Terra, em São Paulo. Também tocam no evento Blur, Beck, Lana Del Rey e The Roots. A banda não é tão grande quanto se esperava há 15 anos. Em 1999, o hit do Travis "Why does it always rain on me?" abriu um filão no rock britânico em que o Coldplay acabou tendo mais sucesso.
"Há coisas mais importantes do que tentar conquistar o mundo", pondera Fran. Ele acredita que ganhou a admiração dos outros músicos por não ter "se prostituído" com o mercado "Desse jeito, as músicas vão ficar para sempre. Pois são músicas de verdade. Você as escreve de umam perspectiva mais profunda, não comercial, em que elas só duram o tempo em que toca no rádio", diz.

G1 - Depois de 20 anos de banda, já tendo feito tanta coisa, deve ser difícil ter uma “primeira vez” de algo. Como se sente antes do primeiro show no Brasil?

Fran Healy - É chocante que ainda não tenhamos ido ao Brasil. Só posso culpar os “homens de terno”. Sempre que lançamos um disco, tentamos ir. Uma das minhas melhores lembranças é da Copa de 98. Fomos ao estádio na França na primeira partida, Escócia X Brasil. Tínhamos começado a gravar o disco “The man who” naquele dia. Foi um dia e uma noite incríveis. Só aqueles escoceses e brasileiros malucos, chocando os franceses conservadores (risos). Quando a Escócia fez o primeiro gol, nós piramos. Abraçamos os brasileiros. Até eles comemoraram nosso gol.
G1 - E você sabe algo de música brasileira?
Fran Healy - Não. Eu sei pouco de música em geral. Fui me interessar por música mais tarde. Cresci em uma casa silenciosa. Não tinha um pai, nem irmãos. Geralmente são homens da casa que colocam as músicas e levam a jogos de futebol, essas coisas. Nunca tive nada disso. Quando cresci, comecei a gostar de tocar música, peguei o violão. Mas nunca ouvia muito. O que ouvia eram os meus amigos. Deles comecei a pegar coisas.

G1 - O Travis é visto como triste, principalmente por “Why does it Always rain on me?”. O novo disco fala de encarar a vida positivamente. Você está mais otimista?
Fran Healy - Sim. Mas uma coisa estranha sobre nossa banda é que, ao vivo, é muito diferente dos discos. Mesmo "Always rain on me” ao vivo é super “para cima”. Escrevemos sobre as coisas que acontecem na nossa vida. Nunca pensamos no "business". Este disco reflete o fato de que tivemos dois anos e meio de férias. Tivemos um reencontro com nós mesmos. Quando você passa doze anos em turnê, se perde de si um pouco. Dessa vez nos reencontramos. Por isso o resultado é mais otimista.

G1 - Você já fez covers de “Baby one more time”, da Britney Spears, e “I kissed a girl”, de Katy Perry”. Por quê?
Fran Healy - A da Britney surgiu pois íamos fazer um show para a BBC 1. Foi muito cedo, então viajamos na noite anterior e acabamos em um bar. Comecei a fazer o refrão de “Baby one more time”. O bar inteiro cantou junto. Foi muito engraçado, e o produtor do show falou que era genial, e que tínhamos que tocar no rádio. Aprendi o resto da música na hora. O bom desse cover é que muita gente olha para a Britney e diz “aff”. E não vê que é uma música brilhante. Max Martin é um ótimo compositor. Tocamos de um jeito diferente, da nossa forma. Virou uma versão conhecida, não é?
G1 - Você é próximo dessas cantoras por buscar melodias cativantes. Mas é distante no marketing. É difícil trabalhar hoje pensando mais na música e menos na imagem?
Fran Healy - Há artistas que olham para o mercado e pensam: “Como vamos nos encaixar?”. Nunca pensamos assim. Quando fizemos “The man who”, não havia nada parecido. As bandas não faziam aquilo. Isso significa que foi difícil tocar no rádio. Tivemos críticas péssimas. Mas tivemos sorte que uma das músicas acabou sendo muito tocada [“Why does it always rain on me?”]. As pessoas gostaram, e o disco vendeu 3 milhões de cópias. Todos os jornais que fizeram as resenhas ruins queriam falar conosco. De repente não éramos só nós fazendo aquele som, eram centenas de bandas. O mercado busca essas repetições. Mas sempre quisemos fazer do nosso jeito. Por isso fizemos “12 memories”, que foi algo diferente. É um jeito mais difícil, mas é melhor. Desse jeito, Você as escreve de uma perspectiva mais profunda, não comercial, em que elas só duram o tempo em que tocam no rádio.

Paul foi o membro mais modesto dos Beatles, mais pé no chão. E acho que talvez ele tenha visto um pouco dele em nós, pois a gente também é muito pé no chão"
Fran Healy, vocalista do Travis
G1 - Paul McCartney tocou no seu disco solo, em 2010. Como vocês se conheceram?
Fran Healy - Em um programa de TV, Jools Holland, ele foi dizer “oi” no intervalo. Em outro programa conversamos mais. Ele tocou piano para nós, músicas dos Beatles, contou histórias por uma hora e meia. O Nigel Godrich [produtor] trabalhou conosco e com ele. Durante umas férias, acabamos indo ao mesmo lugar e ficamos ainda mais próximos. Foi muito legal e estranho ter conhecido um beatle. Paul foi o membro mais modesto dos Beatles, mais pé no chão. E acho que talvez ele tenha visto um pouco dele em nós, pois a gente também é muito pé no chão. E somos todos amigos, do mesmo jeito que os Beatles, na essência.
G1 - Ele disse que gostava de suas músicas? Comentou sobre suas composições?
Fran Healy - Quando estávamos jantando, nessas férias, Paul me contou que, quando foi ver George pela última vez, “The invisible band” foi a trilha sonora da viagem. Ele estava viajando para se despedir de um dos melhores amigos e tocando o nosso disco. Eu pensei “Merda!”. Não sei... [gagueja] Você percebe que não importa o quanto a banda é grande, eles são humanos também. Eles têm esses momentos. E saber que você foi a trilha sonora de um deles foi surreal...
Acho que canções não pertencem a bandas, elas pertencem a momentos. Aquelas músicas pertencem aos momentos de Paul [na despedida de George], do mesmo jeito que algumas dele pertencem aos meus momentos. É para isso que usamos a música. Até um beatle faz isso."

Fran Healy, vocalista do Travis
G1 - Isso seria emocionante mesmo se não fosse o Paul. Saber que alguém ouviu suas músicas no caminho da despedida de um velho amigo.
Fran Healy - Sim. Ele disse que estava dirigindo em uma viagem longa, e o disco tocou no caminho todo. E ele ficou pensando nessas coisas: no amigo e na música tocando no fundo. Música é uma coisa muito poderosa. Acho que canções não pertencem a bandas, elas pertencem a momentos. Aquelas músicas pertencem aos momentos de Paul, do mesmo jeito que algumas dele pertencem aos meus momentos. É para isso que usamos a música. Até um beatle faz isso.
G1 - Além de ter fãs “comuns”, você é admirado por músicos como Paul, Noel Gallagher, Brandon Flowers, Chris Martin. Como é ser ídolo de ídolos?

Fran Healy - É muito legal. Somos definitivamente um grupo respeitado por outros. Não jogamos o jogo. Somos uma banda real. Somos amigos em primeiro lugar. Temos uma história longa, nos conhecemos há 23 anos, há mais tempo do que temos a banda. Passamos a metade da vida juntos. Eles respeitam o fato de que não nos prostituímos, apenas fazemos o que fazemos.
Entre 1999 e 2002 o Travis foi muito, muito popular. Eu não gostei disso, de verdade. Acho que todo mundo curtiria, mas não curti."
Fran Healy, Travis
G1 - Você pensa, às vezes, em como sua vida seria se o Travis tivesse se transformado em uma megabanda como o Coldplay?
Fran Healy - Boa pergunta. Entre 1999 e 2002 o Travis foi muito, muito popular. Eu não gostei disso, de verdade. Acho que todo mundo curtiria, mas não curti. Em nossa carreira, sempre quisemos ser a melhor banda, não a maior. Parte dessa tentativa de ser a melhor é que, talvez em algum ponto você seja também a maior, mas em outro vai estar mais embaixo. Quando a questão é sustentar a carreira, como Coldplay, ou Beyoncé, se torna negócio. Chris [Martin] faz um ótimo trabalho de balancear o negócio com a arte. Mas, para mim, a música é “um para um”. Não preciso de 70 mil pessoas na minha frente. Só preciso de uma. Porque geralmente eu escrevo uma música para uma pessoa. A resposta para sua pergunta é que eu nunca quis isso. E Chris quis. Se você quer qualquer coisa, você pode ter, e isso é um fato bom da vida. Desde que conhecemos o Coldplay, essa era a ambição deles. E fizeram um bom trabalho.
G1 - Você se lembra de algum momento que deliberadamente marcou essa recusa em ser uma celebridade? Ou foi apenas o jeito que gravaram os discos?
Fran Healy - A gente se permitiu ser carregado pela correnteza. Tivemos que parar quando nosso baterista quebrou o pescoço em um acidente. De repente, éramos apenas quatro amigos de novo. Naquele momento, retornamos ao básico. Há coisas mais importantes do que tentar conquistar o mundo. Foi um ponto de virada. Resolvemos pegar leve na carreira. Agora tenho uma vida tão boa... Nós nos demos bem, posso sustentar minha família, tenho uma ótima banda. Estou sentado em Detroit, nos EUA, em um ônibus que me leva para tocar e fazer pessoas felizes. Se eu tivesse um projeto de vida, seria esse.
Não preciso de 70 mil pessoas na minha frente. Só preciso de uma. Porque geralmente eu escrevo uma música para uma pessoa. Eu nunca quis isso [ser uma megabanda]. E Chris [Martin] quis."
Fran Healy, Travis

G1 - O Travis recebe um rótulo de música de “cara bonzinho”. Você se sente confortável esse rótulo?
Fran Healy - Uma das coisas que nos persegue é isso. Sempre falam “vocês são tão legais”. Somos só pessoas decentes. “Legal” não é um jeito de nos descrever. Somos legais, mas o que fazemos é um pouco mais profundo. Mas quando um rótulo cola, ele cola. Para mudar isso, teríamos que agir como babacas, e eu teria problemas com isso. Mas isso não afeta a minha vida. Continuo vendo o mundo do mesmo jeito. Não me incomoda.

G1 - Como você descreveria um show do Travis para alguém que nunca foi, como muitos fãs brasileiros?
Fran Healy - Não sei, porque eu nunca fui a um show do Travis (risos). Mas o que ouço de outras pessoas é que é um show real, genuíno. Não há pretensão. Geralmente há um “quarto muro” que separa a banda do público. Mas em um show do Travis, não há essa barreira. Somos os mesmos no palco e fora dele. Não mudo nada. Gosto de manter as coisas reais. Meu lema na vida é “não seja pretensioso”. Ser pretensioso é entediante. Seja sempre real. 
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