O “pedacinho de Minas Gerais”, como apelidou carinhosamente Alessandra Rodrigues de Oliveira Dorileo, de 33 anos, é abrigado por uma casa antiga no bairro Quilombo, em Cuiabá. Entre as prateleiras preenchidas com produtos que chegam semanalmente de Minas Gerais, como queijos da Serra da Canastra, geleias, doces de leite e cachaças, a cultura cuiabana se mistura com a mineira no empório e café Recanto da Canastra.
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O estabelecimento também é administrado pelo marido de Alessandra, o poconeano Rodolfo Dorileo Assis, de 36. Do café servido coado ou na máquina de expresso aos pães de queijo, que podem ser recheados com linguiça, carne na lata ou doce de leite, tudo chega no empório direto de produções mineiras.
“Tudo que tem aqui faz parte da minha vida praticamente, biscoito de polvilho, o de fubá, de amendoim, a goiabada cascão da Zélia, que está desde 1950, é patrimônio cultural e imaterial de Minas Gerais, o Viçosa, que foi eleito dez vezes o melhor doce de leite do país, é desenvolvido na faculdade de Viçosa, a Havana é uma cachaça muito famosa de Salinas”.
“A primeira a ser exportada no Brasil”, completa Rodolfo, que se apaixonou por Minas Gerais na primeira visita que fez, quando foi conhecer Piumhi, que faz parte das oito cidades que compõem a Serra da Canastra e foi onde a esposa cresceu.
O café servido no Recanto da Canastra e que também está na prateleira para os clientes que quiserem levar um pouco do sabor de Minas Gerais para casa vem de Piumhi. “É um café que ele [Rodolfo] experimentou na casa da minha mãe, gostou demais e toda vez que a gente vinha de Minas trazíamos muito café, para passar um tempero até voltarmos lá”.
Cada produto vem de regiões carregadas de histórias, como o biscoito Tia Lena, que chega de São Tiago (MG), conhecida pelo apelido afetuoso de Cidade do Café com Biscoito, conta Alessandra. Os doces de frutas, como a de figo e abóbora, que são campeões de venda, são trazidos de Poços de Caldas, a Cidade do Doce, outro exemplo da dedicação mineira à gastronomia como forma de expressar cultura.
“Em São Tiago, inclusive teve festival do café com biscoito esses dias. É muito caseiro, parece coisa de vó. A rosquinha de fubá dá vontade de ligar para a avó e pedir para fazer um café. Não tem química, é gostinho de afeto mesmo”, conta.
“São coisas que estavam na minha infância, tudo tem história, a goiabada é de família, o doce da faculdade, quem estudou em Viçosa e está aqui em Cuiabá já entra perguntando se temos, então, é uma coisa que marca, sabe? Temos recebido muitos mineiros, é impressionante a quantidade de mineiros em Cuiabá”, continua.
Sonho do empório mineiro em Cuiabá
O desejo de construir o Recanto da Canastra surgiu na virada de 2022 para 2023, quando os pais de Rodolfo viajaram com o casal para conhecer Piumhi e a Serra da Canastra. Em São Roque, eles fizeram juntos a “Rota do Queijo”, que fez parte da vida de Alessandra, mas que foi apresentada aos sogros pela primeira vez nas férias em família.
A mineira lembra que os pais do marido ficaram impressionados com as queijeiras, além da variedade e qualidade dos queijos produzidos nas fazendas da Serra da Canastra.
“É tudo artesanal, nas fazendas, não tem indústria de queijo, só o Divino’s que é uma queijeira grande, mas os demais são produtores pequenos, cada um se diferencia pelo pingo, pelo fermento e forma de maturar o queijo. Vai ter o de casca lavada, que é o meia cura, tem queijo de capa florida, que parece um brie… Cada fazenda tem sua especificidade de queijo. Tem queijo maturado no vinho, no café, com e sem tempero. Então, o pessoal ficou encantado com a diversidade de produtos”.
Quando voltaram para Cuiabá, Rodolfo brinca que ele e a esposa já estavam com a” cabeça virada” pela ideia de montar o empório mineiro em Cuiabá, que abriu às portas em 6 de maio deste ano. No início, a ideia seria vender apenas os produtos de Minas Gerais, mas Alessandra começou a pensar em formas de poder receber os clientes da mesma forma que os mineiros recebem suas visitas: com cafezinho e pão de queijo.
“Tem muita cachaça, muito licor, muitos estilos de queijo, sem lactose, recheado, trufado, tem geleia de tudo quanto é sabor, tem o torresmo real da Canastra, que é pronto para comer e petiscar, muito gostoso. Quis trazer tudo de bom que tem na minha cidade. Lá, você acaba o almoço, já pensando no que vai comer no café. É sempre essa coisa acolhedora”, conta Alessandra.
“Se você chegar a qualquer hora, em qualquer casa, e não tomar um cafézinho com bolo e uma rosquinha, o mineiro fica chateado”, completa Rodolfo.
“Se você rejeitar um café, é uma ofensa grande”, brinca a mineira.
Loja fica perto da Igreja Mãe dos Homens, no bairro Quilombo, e tem espaço para pets. (Foto: Bruna Barbosa/Olhar Direto)
Rodolfo conta que os mineiros radicados em Cuiabá que costumam frequentar a loja se emocionam ao reencontrar os sabores da infância. “Eles adoram experimentar, relembrar a infância, tem mineiro que senta aqui e quase sai lágrima do olho tomando o cafezinho coado na hora”
Essa pegada do pão de queijo recheado surgiu através do Café dos Motoristas que tem perto de Divinópolis, toda vez que vou para casa da minha mãe e paramos lá, de carro ou de ônibus, comemos pão de queijo com linguiça e com requeijão.
“O pão de queijo de lá tem 60 anos de história, é muito tempo e é muito famoso, não tem quem passe no Café dos Motoristas e não coma um pão de queijo com linguiça. Quisemos trazer para cá, para o pessoal também ter esse gosto de experimentar essa iguaria mineira. Em Piumhi também tem uma feira que tem pão de queijo com pernil, que é feito lá. Rodolfo, toda vez que ele vai, a primeira coisa que ele quer fazer é ir na feira para comer o pão de queijo recheado”.
“É maravilhoso”, confirma o poconeano.
Queijo abençoado pelo Papa Francisco
O Queijo do Ivair, que foi premiado na Expoqueijo 2021 e 2022, em Araxá (MG), e também está entre os queijos vendidos pelo casal em Cuiabá, foi abençoado pelo Papa Francisco em setembro desse ano. O produtor rural Jordane Macedo enviou o produto ao Vaticano sem a certeza de que ele chegaria às mãos do Papa Francisco, mas foi surpreendido com uma carta.
“Querido irmão, desejo agradecer-te penhoradamente pela tua adorável carta e pela oferta do produto típico de tua terra. Muito apreciei o teu presente e as tuas palavras que o acompanhavam. Que o Senhor sempre ilumine os teus passos e te mantenha no Seu amor. Invocando a proteção da Santíssima Virgem, te envio de coração a minha Benção, que de bom grado estendo à tua família e ao querido povo de Minas Gerais. Por favor, não deixe de rezar por mim; eu o farei por ti. Fraternamente, Francisco”, diz a carta assinada pelo líder da Igreja Católica.
Alessandra comemora pelos produtos mineiros que estão atravessando fronteiras e ganhando o mundo, assim como as delícias feitas em Piumhi, onde ela nasceu, cresceu e retorna com frequência para visitar a mãe.
“Fico muito feliz de saber que coisas da minha terra, que é uma cidade pequenininha, de 30 e poucos mil habitantes, está chegando tão longe. Piumhi é uma cidade muito pequena, mas é uma cidade muito boa de se viver, acolhedora”.
Queijo do Ivair foi abençoado pelo Papa Francisco, que enviou carta para produtor rural da Serra da Canastra abençoando os mineiros. (Foto: Reprodução)
Acolhimento cuiabano
A mineira conta que Piumhi é chamada de “Cidade do Carinho”, mesmo sentimento que encontrou em Cuiabá através da família do marido e de amigos que fez em terras cuiabanas. Alessandra se mudou de Minas Gerais em 2016, quando recebeu uma proposta para trabalhar em uma mineração de Poconé, onde conheceu o marido. Na época, ela ainda atuava como engenheira ambiental, sua profissão de formação.
“Chegando lá conheci o Rodolfo, a gente casou em 2017, comi cabeça de pacu e nunca mais fui embora. Larguei de ser um pau rodado e virei um pau fincado. Larguei de trabalhar na área da mineração, deixei de atuar na engenharia ambiental e fui trabalhar com ele na representação de material de construção”.
Rodolfo lembra que o encontro entre o sotaque mineiro da esposa e o pantaneiro, dos colegas de trabalho de Poconé, geraram situações engraçadas. “Lá no meio da mineração, nem ela conseguia entender os poconeanos e nem os poconeanos entendiam ela. Ficava no meio traduzindo e isso nos aproximou muito”.
“Esse choque de cultura com piauiense com poconeano deu certo, sabe?”, brinca Alessandra.