“Primeiro eu começo fazendo a varanda, que é o mais fácil. Tece a rede no estrado, que não borda, para depois fazer a rede bordada, o mais difícil”. Esse é o passo a passo que Judith Pereira da Silva segue rigorosamente desde os 13 anos. Atualmente com 63, ela é uma das artesãs mais antigas em atividade, em busca de manter a arte de tecer redes viva na comunidade de Limpo Grande, em Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá, em um momento que os jovens tendem a não ter interesse porque optam por trabalhos “seguros” com carteira assinada.
Leia também:
Presente a príncipe Charles foi “inesperado” e traz esperança de aumento de vendas às redeiras de VG
Judith aprendeu a tecer redes olhando sua mãe e irmãs. O modo de aprendizado da artesã não difere muito das rendeiras da região, cuja maioria integra a
Associação de Redeiras Limpo Grande, a Tece Arte. A organização, inclusive, é bem recente e foi oficializada no segundo semestre de 2021.
Ao longo de cinco décadas vendendo redes, Judith viu momentos de altos e baixos nas vendas. A parceria com a Casa do Artesão foi muito importante por centralizar e tornar de mais fácil acesso para a população mato-grossense e turistas de inúmeras regiões do mundo, mas com o passar dos anos as vendas foram caindo e algumas redeiras precisaram buscar alternativas, como Luzia Lemos, de 41 anos.
Única de sete irmãos a seguir com as redes, ela tece desde os 15 anos e há cinco começou a vender salgados para completar sua renda. “Eu sempre gostei de cozinhar e fazer redes, mas as vendas caíram e comecei a fazer salgados para ajudar na renda. Já tem cinco anos que estou vendendo salgados”, conta em entrevista ao
Olhar Conceito.
A pandemia do novo coronavírus também acentuou a baixa das vendas. “Olha, na pandemia ficou bem difícil vender. Ficou [ruim] para todo mundo, mas para a gente ficou bem complicado. Eu nunca pensei em parar de desistir porque eu gosto de fazer e estar com esse trabalho”, diz Valdirene Mendes, de 44 anos.
A procura por redes aumentou em 2021 após a exposição que o trabalho ganhou graças à visita da estilista Martha Medeiros à comunidade, em meados de setembro. À época, a estilista Martha se comprometeu a buscar meios de baratear a aquisição de matéria-prima, as linhas e barbantes, e ainda divulgar, por meio de sua marca, as peças confeccionadas em Limpo Grande. "O luxo do Brasil está em Várzea Grande e juntas o artesanato vai virar sim, uma obra de arte. Artesanato é feito com coração, as mãos são apenas instrumentos da concepção".
Outro acontecimento que fez com que os olhos se virassem para Limpo Grande foi a entrega de uma rede para Príncipe Charles em novembro, por meio da primeira-dama de Mato Grosso, Virgínia Mendes, e o governador Mauro Mendes (DEM), Kelvingrove Art Gallery and Museum, em Glasgow, na Escócia.
Não somente a exposição a nível internacional contribuiu para o aumento da procura, como também o próprio trabalho da Associação de Redeiras Limpo Grande está impulsionando o setor. “Nossa associação surgiu em meio a pandemia. De lá para cá, tem vendido bastante rede na comunidade. Por meio da nossa associação está bastante procurado. Antes, dificilmente - só clientes antigos. Agora com as redes sociais ajuda bastante na divulgação”, comenta Jilaine Maria da Silva, representante da Tece Arte.
A associação é uma organização recente. Jilaine ao lado de outras redeiras passou o ano de 2021 se organizando para montar a associação justamente em busca de aumentar a venda das redes das artesãs. A oficialização da Tece Arte aconteceu em novembro, com toda a documentação regulamentada.
Medo do desaparecimento
A arte de tecer rede ultrapassa gerações. Geralmente, mães que ensinam às suas filhas, como o caso de Judith, que passou o conhecimento para cinco mulheres, das quais apenas uma não trabalha com redes. Atualmente, o cenário se agrava, com cada vez menos jovens interessadas em seguir com as redes, o que gera um temor dentro da comunidade quanto a possibilidade dessa arte desaparecer.
Juscileide Clemente da Silva, de 42 anos, não consegue fazer redes há cinco anos porque desenvolveu problemas na coluna. Unido a um desinteresse generalizado nos mais jovens, ela tem o receio de que por ter pessoas como ela, que não podem dar continuidade às redes, essa arte pode desaparecer com o tempo.
“É difícil porque é um trabalho difícil que a gente não quer que morra. Minha mãe é a Judith e ela tem mais de 60 anos. A gente que está mais ‘novinha’, com 42 anos [no meu caso], para dar continuidade porque eles vão ficando com mais idade. Se nós, filhos, não passarmos para as nossas filhas daqui 10 e 15 anos, pode não ter mais quem faça. É um trabalho que só na comunidade de Limpo Grande tem essas redes.
Júlia da Silva, de 64 anos, se orgulha de ter criado os 10 filhos com a renda gerada pelo tecer, mas alguns deles não possuem interesse em dar continuidade nas redes. “Migraram para a cidade”, ela explica em entrevista ao
Olhar Conceito, e acabam indo para outros ramos. “Eles sabem [tecer], mas não querem”.
“Eles acham que o salário é mais fácil [aquele] que vem todo mês”, pontua. “Agora que está mais procurado para vender porque é difícil. Quem vem comprar quer dar o preço. É muito cansativo e muito demorado. Nós não queremos vender barato. Eu mesmo não quero vender minha rede barato. Eu teço e fico com dó de vender por conta de tanto trabalho que dá de fazer”, conta.