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Domingo, 28 de abril de 2024

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Crônica em estreia: Vida longa aos romancistas e aos românticos de plantão

Ilustração Madame Bovary

Uma senhora e uma senhorita conversavam enquanto aguardavam para retirada do cartão de transporte da AMTU. A senhora contava sobre a época em que morava na roça e não tinha televisão e nem internet para se distrair. A solução eram as revistas, que segundo ela, eram enormes e possuíam muita informação. E em um tom bem humorado se lembrou do quanto gostava de ler aquelas revistas.

A senhorita retrucou que concordava com a importância da leitura, quando esta ensinava sobre outras culturas, ou coisas úteis para o dia-a-dia. Mas então disparou que já dos romances não gostava, pois não serviam para nada.

A posição da senhorita em relação aos romances cortou fundo o coração desta que vos escreve, e que cresceu a base dos romances “que não servem para nada”. Penso então, como seria a vida, se não houvesse tal inutilidade literária.

Penso que o mundo seria mais feio. Penso que a vida perderia um pouco da magia e penso também que nós estaríamos muito mais descrentes na humanidade. O poder de um romance é sublime. A escrita é uma necessidade e não posso imaginar como seria o mundo sem os deleites das paixões traduzidas em todas as línguas. E não estou falando de Comer, Rezar e Amar, estou falando de literatura de verdade.

Estou falando das cartas irônicas, submissas e apaixonantes, que foram trocadas pelo Visconde de Valmont e pela Presidenta de Tourvel em As Relações Perigosas, romance de Choderlos de Laclos. Obra prima do cinema estrelada por John Malkovich e Michelle Pfeiffer no papel dos apaixonados, além da imponente Glenn Close dando vida a maliciosa Marquesa de Merteuil.

Mas não é preciso ir longe para se deliciar com romances, basta procurar por Machado de Assis em Dom Casmurro, com o amor perigoso de Bento Santiago com a sua Capitu dos olhos de ressaca. Outro caso de romance que acabou sendo adaptado para o cinema em “Dom” e também nas minisséries da Globo, que na minha opinião, foi uma das mais bonitas e bem caracterizadas.

E que diria Fitzgerald sobre o seu romance entre paciente e médico em Suave é a Noite? Nicole Warren e Dick Diver também foram caracterizados no cinema. Ou então Jane Austen com Orgulho e Preconceito, que também acabou virando enredo de filme, ou outro livro da autora, Razão e Sensibilidade, dois romances nos moldes dos tradicionais romances ingleses, que não deixam nada a desejar, só a inspirar.

Quer dizer que a heroína Emma Bovary, que causou furor quando do lançamento do livro, Madame Bovary de Gustave Flaubert, em 1857, só serviu para chocar a sociedade da época? A apaixonada Emma que se lança aos braços de seu Leon, em suas desventuras amorosas, e sua tragédia pessoal levada pelos impulsos de uma paixão que a encaminha para a miséria.

E a Moll Flanders de Daniel Defoe? A mesma que teve a história marcada pela vida da mãe, que como ela, foi presa e deportada para a América, onde se restabeleceu, mas acabou por infortúnio do destino, tendo um amor incestuoso com o próprio irmão? Mais um romance caracterizado nas telonas.

E são muitos outros infindáveis exemplos de romances que marcaram época, e se tornaram imortais. Romances que sobreviveram escalas de mais de 500 anos, não significam nada? Não colaboram em nada? Não acredito. Os romances têm por excelência, sua importância, conquistada ao longo dos tempos.

Se os romances não servem para nada, serviram para o cinema, que tenta trazer a atmosfera densa da literatura e tenta também, condensar inúmeros detalhes de páginas inteiras, em algumas horas de filme.

E assim como disse Nietzsche, que “sem música, a vida seria um erro”, eu afirmo que a vida sem o romance seria a total banalização dos sentimentos. Vida eterna aos romancistas!

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