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Domingo, 28 de abril de 2024

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O calçadão do contrabando - confira coluna de cultura pop e cult by Rafa Gomes

Estados Unidos, 1920. Enquanto a Europa tentava se re-erguer mediante aos estragos da Primeira Grande Guerra, as coisas parecem ir muito bem no outro lado do oceano. A América do Norte nunca esteve em tão boa forma. A guerra os permitiu emergir como a principal economia do planeta. As transações de produtos industriais e agrícolas se ampliaram com a abertura de créditos aos países aliados. Com a produção interna tendo um salto esplendoroso em vários setores – com destaque para a indústria bélica – e considerado o maior credor do mundo na época, Os Estados Unidos iam muito bem, obrigado. E respondiam por 42% da produção global. Mas o desfecho da década se tornou uma tragédia grega.



Os “loucos anos 20” foram marcados pelas figuras mais emblemáticas do mundo e por um estilo muito peculiar da época. Enquanto a produção no cinema ganhava força – levando a população às salas em ritmo acelerado – a década de 20 também fica marcada pelos excessos. Uma moda luxuosa, poder de comprar altíssimo e desvirtuação de valores. Dentro desse cenário, surgem personagens como o corrupto político e contrabandista Enoch Lewis “Nucky” Johnson, os gangsteres Al Capone, Johnny Torrio e Frank Nitti, o escritor clássico F. Scott Fitzgerald e o chefe do FBI, J. Edgar Hoover.

Especialistas em estirar corpos ensanguentados pelos cantos de Chicago, Al Capone e seus dois maiores parceiros foram responsáveis pelo maior tráfico de bebidas alcoólicas dentro do território americano. Além do mercado de jogos de azar e casas de prostituição, eles também foram os pioneiros a comercializar cocaína Mas o foco aqui não é a história, mas sim como ela pode ser contada.

Em Boardwalk Empire, série produzida pela HBO, é possível ter um vislumbre muito claro do que foram os “Anos Loucos”. Com a Lei Seca proibindo a comercialização e produção de álcool, o país se encontra em uma sinuca de bico: muito dinheiro, poder de compra e “falta de oportunidade” de gastá-lo. Sabendo que a bebida era atrativa ao paladar e acompanhava – como ninguém – os intermináveis bailes da alta sociedade americana, o contrabando e a produção ilegal de álcool foram inevitáveis. Casais e amigos tomavam bebidas alcoólicas em xícaras de café em plena tarde.

Com a corrupção enraizada até mesmo dentro da polícia e política, produzir e transportar álcool não pareciam ser tarefas tão complicadas. As disputas por territórios entre os gangsteres, sim. Em Boardwalk – que possui o ator Mark Wahlberg e o cineasta Martin Scorsese como produtores executivos – vemos a origem do mal, o início do contrabando feito a céu aberto, no calçadão de Atlantic City.

Enquanto Chicago é o palco dos primeiros e futuros passos de Al Capone (assumido brilhantemente pelo britânico Stephen Graham), Atlantic City é o lugar onde todos os pontos se conectam, aonde Nucky Thompson (baseado em Enoch Johnson e interpretado por Steve Buscemi) protagoniza uma das séries mais violentas já feitas.

Com um sucesso de público impressionante, a série guarda o recorde de maior audiência em um Piloto, de todas as produções da HBO. Dirigido por Scorsese, o primeiro episódio – de uma série que agora chega em seu quarto ano – trás como impacto a violência sangrenta que permeia os anos 20. Enquanto as boates são eufóricas e permeadas pelo álcool, as ruas são encharcadas por sangue.

Ao longo da obra, escrita por Terence Winter e adaptada do livro de Nelson Johnson, Boardwalk Empire: The Birth, High Times, and Corruption of Atlantic City, observamos com vista ampla as histórias verídicas dos grandes gangsteres e o surgimento do “caxias” J. Edgar Hoover (interpretado por Leonardo DiCaprio no cinema). A obra ainda relata – seguindo a mesma precisão de Fitzgerald no livro O Grande Gatsby – o exorbitante mundo luxuoso da burguesia dos anos 20, mediante a uma crise de identidade.

Sem aumentar muitos pontos, se atendo à brutalidade real e quase cinematográfica da também chamada Década de Ouro, Boardwalk Empire é um banho de história. Nos traz à raiz da corrupção política e econômica, à medida que revela em cada episódio o encaminhamento de uma história violenta e sem pudor, que culmina com a quebra da Bolsa de Valores. Mesmo sabendo o fim de cada personagem, é impossível não se render aos seus encantos.

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