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Domingo, 28 de abril de 2024

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O hino de uma geração

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Clichês bem colocados no cinema são atraentes. Continuam sendo iguais a tudo que já vimos, mas quando apresentados com sutileza, é impossível recusar seu poder de conquista. Levam nossa atenção, ativam nossos sentidos – sejam eles de amor, ódio, desprezo -, nos trazem para dentro da história. Mas ainda assim, continuam sendo clichês.

Hollywood sempre patinou na hora de trabalhar a adolescência em estúdios. Como resultado dessa falta de habilidade, temos uma pilha de repetições de frases de efeitos, dramas exagerados e histórias mal contadas. Se essa faixa etária é uma espécie de “problema” na vida real, quisera no cinema. Nunca se soube tão mal como retratar os conflitos de uma geração que tem tanto a dizer.



E em meio a falta de vozes e identidades mantidas em segredo, surge John Hughes para bater um papo reto com essa galera. Pegando o embalo do início da década que moldou o mundo contemporâneo – em todos os níveis –, o cineasta norte-americano surge para falar com uma geração que, nos anos 70, fora levianamente ignorada.

A década de 80 jamais seria icônica se não houvesse Hughes. Desprezado nos anos 2000, amado 20 anos antes, aos 32 anos de idade ele optou por seguir uma linha jamais trabalhada diretamente no cinema da época: a adolescência. Com a experiência de alguém que passou pela mesma fase, aliada à maturidade do início da vida adulta, John Hughes soube como ninguém colocar vozes inaudíveis dentro de filmes de uma hora e meia de duração.

Sua paixão pela música foi o canal que ligou John à juventude. Com ouvidos bem apurados e uma coleção invejável de discos, ele foi capaz de transpor – honestamente e sem pudor – a mente, ideias, canções e conflitos da adolescência oitentista. Se a música é a melhor forma de capturar o jovem, nada mais justo que usá-la como isca para o cinema.

Um bom filme adolescente precisa de uma boa trilha sonora. Som e imagem andam juntos. O colapso do cinema mudo mediante à entrada do som é a prova disso. Hughes soube, como ninguém, aliar estes dois aspectos. Tirou bandas indies do anonimato, transformou canções como Pretty in Pink do Psychedelic Furs e Don’t You Forget About Me do Simple Minds em hinos e retratou – com precisão – os conflitos de filhos de pais separados, os “mamas’ boys”, os rejeitados, os “cools”, os riquinhos. Todos dentro de uma bolha medonha chamada escola.

Filmes como Gatinhas e Gatões, A Garota de Rosa Shocking e o imortal Clube dos Cinco são, esteticamente, oriundos da década de 80. Inegável. O jeans Levi’s de cós alto com rasgos estratégicos, os óculos Wayfarer, os cortes de cabelo. Mas, em se tratando de roteiro, autenticidade e veracidade, eles não poderiam ser mais atuais. As crises existenciais, falta de popularidade escolar e transformações hormonais são autenticas e isentas de clichês. Formam o combo do universo jovem, que sofre com o “ninguém me entende” tão comum desta fase. John Hughes foi capaz de lidar com isso, se tornando o hino de uma geração, em um mundo que entrava na era eletrônica, precursora da digital. Seus filmes se mantém atuais e universais, em um mundo onde a adolescência se restringe a bailes de formatura piegas e líderes de torcida petulantes.

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