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Domingo, 28 de abril de 2024

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Diário de bordo: Um Brasil que o italiano gosta

O que acontece quando um musico brasileiro toca no mais caloroso dos países europeus?

Se tem uma coisa que os italianos gostam, o nome disso é BRASIL. Ou Brasile, como eles chamam. Mas quando eu falo assim parece que é exagero, mas não é. Eles cantam, por exemplo, a música “Isso aqui Ôo, é um pouquinho de Brasil aiá” (Isto aqui o que é? [1942]) no réveillon e nos aniversários, conhecem muito as coisas do Djavan, Caetano Veloso e Ivete Sangalo e músicas como “Ai se eu te pego”, “Bará-berê”, e “Tchê Tchê Rerê”, tocam a cada dez minutos nas rádios nacionais.

Por dia, três novelas brasileiras estão na TV, e tem de tudo: de Dancing Days (1978) até Avenida Brasil (2012) [Sim, todo mundo conhece a história da Carminha e a Rita por lá]. Mas vamos com calma que conto tudo. A coluna “Mé Coado” está de volta todas as quintas-feiras com o que acontece na cena independente de Cuiabá, mas antes, em dois textos - o primeiro hoje - vou contar as experiências de um músico maranhense-cuiabano que colocou na mala um violão e um triângulo, e viajou por dois meses - rodando trezes cidades - de norte a sul pelo país da bota. Bóra ver qualé?



Tudo virava roda de violão. E eles sempre querendo aprender a tocar musicas brasileiras

Mas também este “estreitamento” cultural com o nosso país não é só coincidência. Os italianos, talvez por suas praias e por ser um dos países mais “tropicais” da Europa, são os que mais se parecem com os brasileiros: modo de viver, de se relacionar com o outro, de resolver suas situações, de festejar. Quando chegamos – eu estava com a diretora e produtora Viviane Alencar e o ator e coreógrafo Hugo Caramello - na primeira cidade, San Beneddeto Del Tronto, nos juntamos aos participantes do Festival Cinema da Mare. O projeto seleciona videomakers do mundo inteiro para gravar curtametragens por toda a Itália. E lá estávamos nós, brasileiros no meio de 70 profissionais de cinema de todos os cantos do mundo: da China aos EUA, da Colômbia a Rússia, da Irlanda até o Paquistão. Na primeira roda de violão já fiquei surpreso com os pedidos de músicas. Pois se falou que é brasileiro já junta um grupo pra ouvir, cantar e dançar. E eles pediam de tudo mesmo, de Jorge Bem Jor até Wando, de Tribalistas até Só pra Contrariar (SPC). E no meio dessas, tocávamos uns lambadões rasgados - Chico Gil, Estrela Dalva - e a curiosidade deles aumentava.



Cena inicial do curtametragem "Far Nordeste", dirigido por Andre Santos e Dewis Caldas, e produzido por Viviane Alencar
 

Olha ai o maranhense todo de pistoleiro. Mas as armas são intrumentos

Com o triângulo foi outra historia. Isso porque o outro brasileiro que chegou lá, o André Santos, que também é videomaker, trouxe um pandeiro e como bom baiano que é (embora more em Paris há dez anos) não demorou muito pra gente colocar os gringos pra sambar e forrozar. Aí o símbolo era mais forte ainda, já que somos brasileiros e agora tocávamos exclusivamente gêneros nordestinos, que pra eles é como se tocássemos uma música vinda de outro mundo. E era de tudo, desde sambas famosos como “Trem das onze” até “Boquinha da garrafa” e “Segura o tchan”. Foi nesse espírito que tivemos a ideia de fazer um duelo de faroeste musical, primeiro triângulo versos pandeiro e depois violão contra violão, numa improvisação sobre a musica “baião” de Luiz Gonzaga. O curta “Far Nordeste” foi gravado na cidade de Maratea e lançado durante o Festival Internacional de Veneza, em praça pública. Ao final da apresentação, fomos chamamos para falar aos italianos. Um momento muito especial da viagem.


Dirigindo o depoimento do panderista lucano para o filme “Maratea, Basilicata, Itália”.


Tocando com um organetto, um instrumento que não existe no Brasil, é similar a uma sanfona, só que tem quatro baixos e afinação diversa




E aqui, outro instrumento que não existe por aqui. É feito com madeira e tampa de garrafa de cerveja. “este é um instrumento maravilhoso”, disse o senhor Bernie, que aparece na foto.

Foi lá que iniciei um novo projeto musical: curtametragens com músicos locais, que respondem questões sobre a relação da cidade com sua música e em seguida eu entro e toco com eles. Fiz duas edições, uma em Maratea outra em Nápolis. Em Maratera, encontrei um grupo folclórico de música lucana que estão juntos há trinta anos. E não são daqueles grupos folclóricos que usam uniformes ou que tocam para turista ver.

São trabalhadores e aposentados que por paixão tocam as músicas que aprenderam com os pais. Algumas da músicas que eles me apresentaram foram criadas há 600 anos, mais velha que o descobrimento do Brasil. Tive a oportunidade de tocar com eles e ainda cantar um lambadão “Toque, toque Dj” para eles, que tentaram me acompanhar. O curta foi apresentado também em praça pública na cidade de Maratea com a presença dos músicos.

Gravando com Tommaso Primo, um grande músico vindo da música napolitana. Ao fundo, o vulcão Vesúvio, na orla de Nápolis.

Em nápolis, fiz a segunda edição da série. O músico Tommaso Primo faz parte da nova onda musical napolitana, mas também é um apaixonado por sua região e tem uma vida bem típica de quem vive na beira do vulcão Vesúvio. Na linda e praieira aldeia (com status de bairro) chamada Marechiaro, pedi para que ele me levasse no lugar que ele mais gostava dali, já que é onde ele nasceu e cresceu.
 
Conversamos sobre o estilo de vida dos napolitanos, a cultura deles (que é diferente das dos italianos) e também tocamos juntos. Solei uma música dele e depois tocamos uma bossa nova criada por mim. Ele assimila muito bem o rítmo por conta de sua paixão pela música brasileira, conversou comigo sobre canções de João Gilberto e Caetano Veloso que muitos brasileiros não fazem nem ideia que existe. Só que mais coisas eu conto na semana que vem, no segundo e último texto sobre a viagem por lá. Até mais!



* Dewis Caldas é jornalista, músico e documentarista

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