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História: Abstração sobre as paisagens da vida

Da Redação - Arthur Santos da Silva

Primeiro o sertão nordestino. Passando por vários estados, como uma ferida cicatrizada, esteticamente pode lembrar coisas boas ou ruins. O certo é que seu significado é forte. De ser tão pujante, incomoda a vida. Sua flora traz uma paisagem que aborrece. Os espinhos brotam, faltam folhas, o verde inexiste. Sobra um espaço pintado de ocre, cinza e azul de céu. O mandacaru destempera a lógica e o Juazeiro é a única sombra para a vida. Ao redor, a aridez convive com a estiagem, trazendo sons de abandono e solidão.

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Na profundidade deste cenário o homem ganha destaque, a esperança não morre e a adaptação não se parece com conformidade. O solo seco e rachado serve como pedestal para a vida. O vaqueiro, a mulher de força e o menino com fome recompensam o chão pobre dando energia. Sobreviver no sertão nordestino é um exercício dialético constante. Choque de situações. As vontades confrontam a falta natural e é assim que a vida surge em suas diversas individualidades. A carne e o suor do homem sertanejo são expressões do belo em contraste com a dureza real. A síntese é transformação.



Depois Mato Grosso. Do macro ao micro, tudo é complexo, um excesso de vida. No Cerrado as árvores, com seus galhos tortuosos, revelam expressões barrocas, emoções sustentadas por raízes profundas e cascas grossas como armaduras naturais. A Amazônia, uma floresta tropical e heterogênea, torna-se espetáculo por suas árvores gigantescas, prodigiosas, que dominam as plantas rasteiras e mais humildes. O Pantanal, que já foi chamado de mar e celebrado como Paraíso Terrenal, porta de entrada para o reino das Amazonas, é um fato transcendental em essência.

É assim que a paisagem de Mato Grosso afirma a desconstrução. Natureza meandrosa que trabalha pela obra da destruição, na ordem do caos. O angico morto, caído sob seu próprio peso, vai nutrir com sua substância outros vegetais que estão nascendo. A compreensão deste cenário só é possível com a decomposição dos diversos elementos. Como em um estudo da essência, é preciso analisar as estruturas de cada significado, sem nomear preferências. Longe de distribuir valores, o resultado é sempre pessoal. O choque de situações deixa de existir e a cena é tomada pela contemplação crítica. Uma contemplação que necessariamente deve ser precedida de um longo raciocínio. Frente a imensidão desta vista, as verdades iniciam um processo de corrosão.

Sertão e Mato Grosso representam duas passagens distintas criadas por minha memória. Todos os trações dessas cenas foram produzidos graças as camadas pertencentes às recordações que carrego comigo. Longe de qualquer determinismo geográfico, tudo foi motivado pelo meu universo simbólico e cultural. É por isso que esses dois espaços servem como metáfora de uma caminhada epistemológica: peregrinação em busca de um novo conhecimento, de uma nova perspectiva. Prego aqui a exploração dos limites da História Cultural. Proposta difícil, mas possível.




A busca desta nova história só pode ser fundamentada se pensarmos a cultura como um grande conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens, respondendo, de forma automática, o anseio pela explicação do mundo. O grande desafio da vida seria então alcançar, com toda profundidade, este reduto de sensibilidades. Quando cumprido este objetivo, poderemos decifrar a realidade do passado em sua forma discursiva/imagética, assim todas as "paisagens" serão entendidas e a poética da vida (seja ela boa ou ruim) estará exposta.

No Monte Parnaso, por exemplo, Clio sempre se destacou como a musa da história. Filha de Zeus e Mnemósine, ela carrega nas mãos o estilete da escrita e a trombeta da fama, dando existência ao que canta. Seguindo o que faz Clio, cantemos sobre Mato Grosso. É nosso dever produzir uma ode ao cotidiano vivido. Exercite a composição de sua paisagem e como um verdadeiro artista, exponha sua obra.

P.S.: A partir da próxima coluna deixaremos o mundo das ideias e passaremos a discutir sobre a concretude (?) das coisas.

*Arthur Santos da Silva é formado em história pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Atualmente, cursa jornalismo na mesma instituição e trabalha no Olhar Jurídico. Email para contato: arthur.santos.1213@gmail.com


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