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Notícias / Moondo de Nina Moon

O mundo quer amolecer cacetes e endurecer corações: para onde fugiu a nossa sensibilidade?

Especial para o Olhar Conceito - Nina Moon

Porque o ser humano se emociona com as estórias de mamão com açúcar de novelas, filmes e livros, mas não consegue sentir um sequer sentimento pela história de quem está ao seu lado? Cada rosto na rua possui um caminho, uma experiência única, um segredo só seu e muitos desejos e sonhos. Cada rosto na rua revela um mundo que não nos pertence, que só existe para este e que para o outro será sempre inalcançável. Mas então, porque nos padecemos de dores imaginárias ao invés de olharmos mais atentamente para a dor que sucumbe no próximo?

Com os pés descalços, vejo muitos andarilhos a cruzarem a cidade, à ermo, sem destino, sem razão, sem contratempos, apenas caminham para aonde nem sabem que devem chegar. Quantos rostos tristes, sujos e miseráveis encontramos ao longo de nosso caminho? E quantas vezes nos colocamos no lugar dessas pessoas?

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Porque nos encantamos com a história da mocinha que morreu nos braços do amado e nos esquecemos de quem vive e morre todos os dias, nas filas dos hospitais, nas esquinas, nas ruas, no transporte público. Esquecemos de quem é assassinado, todos os dias, nas favelas, nas trocas de tiro entre bandidos e polícia e no despreparo da mesma que ao invés de proteger os cidadãos, nos brinda com cenas de filmes de terror como uma mulher sendo arrastada pela viatura daqueles que deviam nos proteger.

Porque estas estórias emotivas, muitas vezes sem pé nem cabeça, despertam um sentimento no coração dos humanos, que não é despertado quando se vê outro humano sendo preso a um poste, nu e humilhado, por supostamente, ser um assaltante?

Porque tanta discrepância? Porque o sofrimento nas telonas e nos Best-sellers é mais assimilável, é mais próximo, do que aquele que cruzamos nas ruas? Do que aqueles que vemos abandonados, desamparados, e sem perspectiva?Talvez, a resposta não seja boa. Talvez faça algum tempo que a desesperança nos passos da humanidade tenha tomado conta do meu coração, e mesmo que eu derrame lágrimas, preciso me blindar contra tanta falta de sensibilidade.

O mundo não quer mais pessoas sensíveis. “O mundo quer amolecer cacetes e endurecer corações”, ilustrou em uma camiseta, a poeta e musicista Glenda Ferreira. E ela está certa. O mundo quer nos deixar broxas, sem tesão, sem vontade de viver, e de ser e quer que nosso coração se transforme em uma plataforma que pode tolerar todas as intempéries a que for submetido.

Mas, não. O coração continuará sendo mole, mesmo com toda a dureza do mundo. O coração continuará a acreditar, em um pequeno rastro de esperança, que em um vislumbre de bondade irá incendiar-se novamente. Talvez, o coração seja burro, e a mente a mais esperta. Talvez, talvez, talvez. Não tenho respostas e nem certezas para nenhuma das questões apresentadas. Apenas dúvidas e um terror eminente desse ‘talvez’.

Talvez, o mundo não seja um lugar bom e estamos aqui pagando pelos nossos pecados, e toda esta história de que existe céu e inferno, apenas não passa de um apetrecho para nos manter firmes e em pé, a espera da glória que não encontraremos aqui. Mas, o mundo é isso, a vida é isso, é o céu e o inferno, é a dor e a alegria, é o amor e a desesperança, a desilusão.

Sofrer ou não sofrer? Sentir ou não sentir? Eis a questão. O coração não se cala diante do rigor do mundo, e aqueles que ainda conseguem escutar as batidas dentro do peito, corram com mais força que puder, pois, talvez, sejam os poucos seres, que de fato, permanecem humanos.
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