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Laurentino Gomes: Como um escritor simpático uma plateia vidrada lotaram um auditório

Da Redação - Stéfanie Medeiros

O que ele fala não é novo. Na verdade, são fatos históricos muito bem conhecidos. Mas ele conta de um modo singular, convidativo e contagiante, cheio de entusiasmo. Mesmo quem já ouviu aquele discurso várias vezes presta atenção. Na primeira fila, a esposa, que sempre o acompanha nas viagens, não tinha expressão entediada de quem não aguenta mais ouvir a mesma coisa. Na verdade, a única palavra para descrever o modo como ela olhava o marido é encantamento. 

E o auditório da livraria Janina, com a capacidade preenchida, estava com aquela expressão estampada em cada rosto. Porque era assim que o público estava: encantado.

E é exatamente pela linguagem que Laurentino Gomes, autor dos best-sellers 1808, 1822 e mais recentemente 1889, sobre a proclamação da República brasileira, vendeu milhões de livros. Suas obras, sempre tratando de assuntos históricos que geralmente não são populares entre os jovens, tiveram uma abragência tão grande que ultrapassou as barreiras da idade. Ouvindo o autor, estavam pessoas de todas as faixas etárias, inclusive estudantes do ensino fundamental que vieram direto da escola.

Passando pelos estados brasileiros em cerca de 32 viagens, na terça-feira (29) Laurentino esteve em Cuiabá para uma sessão de autógrafos e perguntas no auditório da livraria Janina. Simpático e sempre solícito, antes de seu breve discurso e do tira dúvidas, Laurentino Gomes conversou com exclusividade com o Olhar Conceito.

Aberto a qualquer tipo de assunto, o autor responde com clareza e um toque de seriedade, sem nunca perder o bom humor e o sorriso. Ao assinar as primeiras edições de seus livros, Laurentino já localiza pequenos erros e os corrige a caneta, na hora. São detalhes que passam despercebidos pela maioria, mas que o autor sabe de cor.

Carreira e livros

Revendo as primeiras edições de seus livros, Laurentino Gomes relembrou a surpresa que teve quando 1808 foi tão bem vendido. O autor conta que até acabou o papel da editora para a impressão de mais edições, por isso há diferenças de tamanho: porque o papel de certa edição foi deferente do das outras. Sobre seu sucesso inicial com 1808, o autor sempre repete: “Eu achava que tinha feito uma boa reportagem, mas não esperava que fosse virar o que virou”.

E este é um detalhe importante: Laurentino Gomes não é historiador ou biógrafo, é jornalista. O autor apenas mudou de formato: de revista e jornal, passou a trabalhar com livros. Suas publicações são reportagens, feitas com pesquisa, entrevistas e documentos. Desta forma, Laurentino não fica engessado por conta de regras acadêmicas. Ao contrário, tem a liberdade de usar uma linguagem atraente, mas com o cuidado de não se tornar banal ou superficial.

A acessibilidade de seus livros, compreensíveis até mesmo por leitores desacostumados a ler sobre história brasileira, despertou uma grande curiosidade para os fatos descritos. Suas obras não são tão longas a ponto de não cumprirem o papel de dialogar com o leitor e nem tão curtas a ponto de ficarem somente no superficial e se tornarem um “almanaque de curiosidades”.


(Laurentino Gomes no auditório da livraria Janina. Sua esposa, Carmem Gomes, acompanhando o marido na primeira fila.)

Laurentino orgulha-se de ser um “abridor de portas”, pois seus livros dão a bagagem necessária para o leitor aventurar-se em outras publicações, talvez mais densas, sobre o assunto. As pessoas adquirem gosto por história.

Processo criativo

A trajetória do jornalista com seus livros começou quando Laurentino ainda era editor da revista Veja, por volta de 1997. A revista faria uma série especial sobre história do Brasil. Laurentino ficou responsável pelos acontecimentos de 1808. Depois da frustração de o projeto ter sido cancelado, Laurentino, por algum motivo, não o abandonou.

Pelo contrário, aos poucos foi encaminhando sua pesquisa, fazendo anotações, lendo livros e mais livros, até que 1808 nasceu e em 2007 foi lançado. E neste ponto, Laurentino teve que fazer uma escolha difícil: Ele trabalhou na editora Abril por 22 anos e naquele ponto, tinha estabilidade e um trabalho razoável. Se ele ficasse, teria que abandonar o livro. Se escolhesse o livro, teria que abrir mão do emprego dos sonhos. Escolheu os livros.

A liberdade adquirida não foi usada para o ócio, mas para dar continuidade ao que agora é a trilogia 1800. Sobre o processo criativo, que neste caso é mais de pesquisa, Laurentino conta que lê muito mais que escreve. Seus livros são todos grifados, cheios de anotações. Depois deste primeiro momento de colher informações, o autor começa a fazer os “copiões”, que são espécies de relatórios para organizar tudo o que já se tem.

Para isso, Laurentino começa a abrir arquivos no word (programa de texto) e organizar seus copiões por tópicos. Há arquivos para personagens, datas, acontecimentos, ruas, fatos curiosos. É o momento de decidir o que vai ou não entrar no livro, o que é relevante e o que pode ficar de fora. O copião é, no caso de Laurentino, maior que o próprio livro.

Seis meses antes de entregar os originais para a editora, Laurentino começa a escrever o “rascunho final”, a versão definitiva que vai ser publicada. E é neste momento que começa o trabalho de linguagem, o processo criativo de fato.
Laurentino não faz parte da leva de autores que sentam e escrevem por horas todos os dias, faça sol, faça chuva. Na verdade, ele prefere não forçar. Tem dias que não escreve nada, tem dias que escreve muito. E para ajudar quando os parágrafos não se formam e as frases não parecem boas, Laurentino têm uma espécie de rotina.

Uma primeira opção é andar com seu cachorro. Caminhando ao lado do seu labrador, Laurentino espairece, mas a mente começa a juntar as peças do quebra cabeça que faltavam. Ele então dita os parágrafos para si mesmo e quando chega de suas caminhadas, já tem o problema resolvido.

Se isso não funcionar, dormir também é uma boa opção. Laurentino deixa um caderno e uma caneta na mesa de cabeceira, pois muitas vezes acorda no meio da madrugada por conta de um lapso criativo. Depois é só digitar o que escreveu. O autor fica alerta ao seu estado criativo e não se frustra quando não sai nada. Neste sentido, Laurentino tem certo conforto em relação a criatividade. E sem as dores do parto, seu livro nasce.

Polêmica das biografias não autorizadas

O projeto de lei que libera as biografias não autorizadas, o PL 393/11, de autoria do deputado federal Newton Lima (PT-SP), já deu o que falar. São contra este projeto artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Djavan, Milton Nascimento e Roberto Carlos. Para Laurentino Gomes, no entanto, não faz sentido que pessoas que sempre defenderam a liberdade de expressão estejam agora do lado oposto a este conceito.

Segundo o autor, a beleza da história e das biografias são a multiplicidade de visões sobre os acontecimentos. Várias pessoas podem escrever sobre a mesma coisa e obter resultados diferentes. Cada um tem uma abordagem própria e uma visão singular sobre tudo o que nos cerca e querer limitar o relato de fatos a somente biografias autorizadas é o mesmo que querer engessar a história.

Laurentino cita com o exemplo Napoleão Bonaparte, sobre quem diversas pessoas já escreveram. No entanto, o autor explica que cada biografia tem algo novo, algo diferente, algo peculiar não só do biografado, mas também do biógrafo. “Imagina se a família de Napoleão entrasse na justiça para impedir que escrevessem sobre ele”, pondera.

Laurentino ainda critica o fato de o biografado participar dos ganhos financeiros de sua biografia. Para se escrever uma obra deste tipo, é preciso empenhar muito tempo pesquisando e escrevendo sobre o assunto. E no final das contas, biografia não é o gênero que mais se vende. É como se o biografado recebesse por existir e o biógrafo fosse dispensado de uma quantia dos ganhos pelo trabalho árduo. Por fim, Laurentino diz que a discussão não é nada além de medíocre.

Serviço

Para aqueles que querem conhecer o autor, Laurentino Gomes fará uma palestra sobre História do Brasil nesta quarta-feira (30), às 14:30, no Tribunal de Contados do Estado. A palestra é aberta ao público.

Livros publicados:

“1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”

“1822: Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil - um país que tinha tudo para dar errado”.

“1889: Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a proclamação da República no Brasil”
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