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Padeira de Cuiabá faz panetone de fermentação natural com recheios artesanais e que ‘morcega’ por 12 horas

Da Redação - Bruna Barbosa

Durante a pandemia da covid-19, Daniela Rodrigues de Souza, de 48 anos, se viu isolada em casa com a família e, com o passar dos dias, se viu na urgência de encontrar uma atividade. O desejo aliado à necessidade de ter sempre pão quentinho em casa fez com que Daniela se apaixonasse pelo universo da fermentação natural. Não demorou para que dos pães italianos, brioches e croissants, ela decidisse se aventurar na receita italiana de panetone. 

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É o segundo Natal que ela abre encomendas para os panetones de fermentação natural, mas as produções seguem após o período natalino durante todo o ano no pequeno negócio artesanal nomeado como Cantinho do Levain. “Teve mesmo um movimento do pão na pandemia, muita gente entrou na fermentação natural, o pessoal chama de pãodemia”, brinca.

Tudo é produzido no apartamento em que Daniela mora com a família em Cuiabá, que se transformou em uma pequena panificadora. A afinidade com a panificação não é novidade na vida dela, que conta que o pai sempre gostou de fazer pães e o tio, já falecido, era padeiro em São Paulo, onde ela nasceu. 

“Foi minha primeira vez com fermentação natural, mas já tinha mexido antigamente com croissant, pães, já fiz algo relacionado em São Paulo, isso em 1995, nos meus 20 e poucos anos. Quando chegou a pandemia, continuava no remoto, mas não tinha faculdade em nenhum período, nem online, sou muito agitada, não gosto de ficar parada e comecei com os pães”. 

Quando os panetones saem do forno, eles precisam "morcegar", ou seja, resfriar de cabeça para baixo, para evitar que a cúpula afunde. (Foto: Arquivo pessoal)

Panetone: o desafio da panificação 

Daniela brinca que o panetone de fermentação natural é o “ápice” de qualquer padeiro, já que os processos são ainda mais longos. Tudo para garantir que o pão natalino saia do forno com a casca crocante e a “cúpula” alta. Na última semana antes do Natal, os pedidos de panetone chegam a todo momento. 

“O panetone é o mais difícil, todo mundo fala do croissant, mas o panetone são três dias de processo. Falo que são três dias, porque um dia todo é só de controle de PH desse fermento, porque ninguém quer comer um panetone que seja duro, seco, que não desfie, que são os famosos ‘bolotones’. As pessoas querem um pão equilibrado, um pão doce, mas que você sente que tem uma fermentação natural, que seja leve, ele tem que ficar de cabeça para baixo. O mínimo é 45 minutos, mas se você quer entregar um produto legal, você vai deixar 12 horas de cabeça para baixo antes de entregar ao cliente”. 

Além da fermentação natural no panetone, Daniela produz artesanalmente a própria pasta saborizante com laranja, limão siciliano e especiarias. Uma delas ainda leva vinho, conta a padeira. Todos os recheios são produzidos por ela, até mesmo o de frutas, que leva damasco turco e laranja confitada. 

Daniela explica que o panetone italiano possui regras, que foram descritas em um decreto de 2005. “Ele tem que ter o percentual certo de gemas, não vai clara, tem o percentual certo de manteiga, tem que ser feito com fermentação natural e tem que ‘morcegar’. Ele sai tão molinho do forno, é pior que um bolo que quando sai do forno a gente fica com medo de bater um vento e murchar, ele é muito amanteigado e com muitas gemas, as vezes só de embalar, você amassa”. 

Para o futuro, ela sonha em ter uma cozinha para produzir os panetones e pães para que os clientes possam passar e retirar. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Mundo da panificação 

Além da profissão de padeira, Daniela tem uma loja, onde é responsável pela parte administrativa há 21 anos e se formou em Letras com habilitação em Libras pela UFMT neste mês. Com a conclusão do curso, se viu tendo que decidir se seguiria no caminho das salas de aula ou se ficaria na panificação. Escolheu a fermentação natural. 

O processo terapêutico que Daniela descobriu no processo de fazer os pães não foi a única motivação para continuar no universo dos padeiros. Quando começou a usar a fermentação natural nos pães italianos que fazia para a família, percebeu que a filha sentia menos irritabilidade provocada pelo glúten em comparação com outros pães. 

“Ela não é celíaca, não tem problema com o glúten, mas tem uma irritabilidade, a questão da barriga estufar, operou refluxo agora. Esses pães fizeram muito bem para minha filha, por mais que tenha a manteiga, como o brioche, não deixava azia e a barriga inchada. Qualquer tipo de fermentação natural longa é boa, não vou puxar a sardinha só para a fermentação natural, se você um biológico em pequenas proporções e deixar uma fermentação longa, ela já degrada grande parte do glúten. A fermentação natural tem os seus benefícios, o índice glicêmico é mais baixo, por exemplo”. 

Danila tem panetones de fermentação natural de frutas, pistache e chocolate. (Foto: Bruna Barbosa/Olhar Direto)

Daniela conta que, no começo da trajetória com a fermentação natural, chegou a pensar que não tinha conseguido “dar vida” ao levain que usa, composto apenas por farinha e água. No entanto, há três anos ela possui o mesmo fermento, que é renovado a cada processo de “alimentação”. 

Apesar do começo fazendo pães de fermentação natural apenas para a família, não demorou para os vizinhos do prédio, em que ela mora em Cuiabá, demonstrarem interesse. 

“Fez muito bem para minha filha e eu me apaixonei, como dizem ‘caiu farinha no pé, lascou’. Fui levando um período a faculdade, a loja e os pães. Os vizinhos começaram a pedir até que virou venda, mas no início eu fazia só para nós aqui de casa mesmo. Muita farinha jogada fora, muito pão duro, muita queimadura, porque no começo fazia na panela de ferro, na verdade comecei com uma panela de yakisoba que adaptei”. 

Autodidata, Daniela lembra que foi chegando nas receitas que utiliza hoje pesquisando dicas e cursos virtuais na internet. Ela começou fazendo pães italianos, mas conta que logo foi em busca de novos desafios na panificação. 

“Você vai querendo inventar moda, quer sair dos italianos, que são farinha, água e sal, você quer colocar uma manteiguinha, um azeite, quer um pão mais macio, daí chegaram clientes querendo um pão mais macio e vegano, alguns que queriam um brioche que desfie e fique gostoso”. 

“Nisso comecei a estudar, fui muito autodidata e aprendi fuçando em sites, até japoneses, usava o Google Tradutor para tentar entender mais ou menos os processos, fazia algumas adaptações, jogava muita farinha fora. Por exemplo, faço um brioche hoje, a maioria é feita com fermentação mista, o meu é só fermentação natural”, continua. 
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