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Notícias / Artes visuais

Artistas protestam por retorno de painel de Adir e grupo cria abaixo-assinado por escultura de Dias-Pino

Da Redação - Isabela Mercuri

A retirada da escultura ‘Árvore de Todos os Povos’, de Wlademir Dias-Pino, e o apagamento do mural de Adir Sodré da Praça Oito de Abril, que aconteceu em dezembro de 2019, continua causando revolta em artistas e apreciadores de arte da capital. Na noite da última sexta-feira (9), um grupo colocou uma faixa pedindo pelo retorno da arte plástica, e outro criou um abaixo-assinado pela volta do monumento.

Assinatura de Adir ainda aparece por baixo da tinta verde (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

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A manifestação aconteceu por volta das 18 horas, e o dia foi escolhido porque era a data de aniversário de Adir Sodré. Além disso, neste dia completaram-se dois meses de seu falecimento. “Eu sou muito grata por ele ter nascido, e isso aqui é uma mobilização no sentido de que a gente não quer que ele morra, que ele seja esquecido. Se enquanto ele estava vivo uma obra dele foi simplesmente apagada, imagina agora que ele não está aqui para lutar por isso? “, questionou a amiga de Adir, Alba Medeiros, durante um breve discurso.
 
“Perdemos muitos artistas neste ano, e se você parar para pensar daqui a pouco ninguém está falando mais neles. Isso aqui é um marco. Ninguém tem o direito de apagar a obra de um artista sem consultar a população, e isso em nenhum momento foi feito”, completou. “Eu não posso ficar quieta. O Adir não ficaria quieto, como ele não ficou. Tanto pelo painel quanto pela escultura do Wlademir. Isso não pode acabar numa simples parede verde. Viva adir, ele não vai morrer, vai estar sempre presente dentro de nós”.
 

 
Carlos Barista, gerente da Artô, também falou sobre sua indignação diante dos fatos. “Estamos a reboque. Uma determinada pessoa resolveu fazer o que  fizeram. Primeiro tirar a obra do Wlademir e depois do Adir. A minha colocação é que é preciso nós da comunidade artística, do meio artístico, exigir participação nesse tipo de atitude. Como um cara ou um grupo resolve fazer um negócio desse? Cadê o conselho? Nós temos que ter cadeira no conselho!”, afirmou. “Perdeu a escultura do Wlademir Dias-pino que é um artista que o MoMa quer, e ele quer deixar o acervo aqui, no centro geodésico da América do Sul! E nós estamos desarticulados”.


 
A intenção dos artistas é que a tinta verde que foi passada por cima do mural seja removida, com técnicas de restauração, e a obra de baixo seja trazida à tona. Segundo Ronaldo Rodrigues, especialista em restauração, este é um trabalho muito detalhado e complicado.
 
“Tem uma série de pesquisas a se fazer. Primeiro saber se a Prefeitura tem o material que foi utilizado, tanto o anterior quanto o de agora, que cobriu a obra. O tipo de tinta, se usou massa, se usou lixa, se foi descascado ou não.  Eu já andei fazendo alguma pesquisa sobre e não tenho experiência com a tinta PVA, mas fiz uma pesquisa com um colega de Niterói, ele teria que vir pra fazer esse estudo de remoção, ver que tipo de material, e depois que remover a tinta verde o que temos embaixo, o que sobrou do Adir, e aí que vai entrar no restauro. Demoraria de 30 a 40 dias. O mais demorado vai ser descobrir como remover esse material de cima”, explicou. Segundo ele, este tipo de procedimento é raro. “Geralmente se conserva a obra, né, independente do artista vivo ou morto”.

Ronaldo Rodrigues (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)
 

Caso isso não seja possível, o artista plástico Gervane de Paula explicou que há, ainda, outras duas alternativas: ou escolher uma obra significativa de Adir e azulejá-la no local, ou fazer homenagens com outros artistas plásticos contemporâneos dele. “Acho que esse começo deve evoluir para realmente trazer a obra de volta, alguma coisa que marque a presença do Adir nesse espaço físico”, afirmou. “Eu acho que a gente tem que partir dessa ideia, e já deixar a marca dele reservada. Nossa ideia é trazer a obra de volta”.

 
Para Luiz Marchetti, o retorno das obras é imprescindível para a arte mato-grossense. “Sumir com isso [o painel], sumir com a obra de Dias-Pino, é um absurdo. Muito importante que a Prefeitura volte atrás não só a pintura, se for preciso fazer a raspagem, buscando os mesmos traços, ou até o Rodrigo, que era assistente do Adir, refazer. Importantíssimo a Árvore de Todos os Povos voltar especificamente pra aquele canto, aquele ângulo que Dias-Pino projetou, porque a geografia da praça tem a ver, com a localização, a seta que aponta pro Xingu. Então ali é muito importante, e é legal porque foi ganho na justiça. Não foi uma brincadeira, o artista não pendurou uma bandeirola, foi uma escultura. Então isso voltar é respeito com toda a indústria do estado, não apenas com os grandes artistas que temos, mas toda a classe”,  afirmou.

Luiz Marchetti (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto) 

O artista do audiovisual acredita que a ação da Prefeitura é fruto de falta de conhecimento e comunicação entre as pastas. “Eu não acredito que Vuolo ou que Emanuel concordaram com isso. As reformas internas, infelizmente, eles não se comunicam nem entre eles. Eu acho que foi um lapso.  As pessoas envolvidas, com todo o respeito, não devem ter essa formação acadêmica, humanitária. Eu não consigo ver maldade, sinceramente, foi uma ignorância, um ato imbecil. Não precisa nem se desculpar, só devolver”.
 
O caso
 
Quando foi reinaugurada a Praça Oito de Abril, popular ‘Praça do Choppão’, em dezembro de 2019, alguns artistas criticaram a retirada de um monumento de autoria de Wlademir Dias-Pino e de um mural do artista plástico Adir Sodré.
 
Após as reclamações, em janeiro de 2020, o secretário municipal de cultura Francisco Vuolo garantiu que a obra, titulada ‘‘Árvore de Todos os Povos", voltaria para o local de origem, e que Sodré seria convidado para refazer o mural. As coisas, no entanto, não correram como o previsto: o monumento desapareceu e Sodré faleceu em agosto, após sofrer um infarte. Agora, a solução apresentada pelo prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) é a construção de uma réplica da escultura e de uma homenagem ao pintor.
 
Os artistas e apoiadores, no entanto, querem que o mural seja restaurado a partir da raspagem da tinta verde que foi colocada por cima. Já a escultura, segundo especialistas da área, deve voltar para o mesmo lugar onde estava. Em entrevista ao Olhar Conceito, a diretora geral da Casa de Cultura Silva Freire, Larissa Spinelli, explicou:

“A questão é mais ampla. Aquela localização, na esquina do Choppão, bem na quina da Praça Oito de Abril, tem um sentido maior porque ela está relacionada ao movimento literário do intensivismo, que a gente divulgou e tudo. Eles tinham um projeto praquela praça, a praça na época tinha sido tombada para que fosse patrimônio da cidade, já que ela é a data da fundação da cidade. Depois que aconteceu a reforma, tem um grupo, do entorno da praça, dos comerciantes, não sei bem como aconteceu isso... mas que não estão muito a favor da retirada do chafariz de lá. Então eu acho que nessa matéria o prefeito fala isso, me chamou atenção... ele fala: nem que a gente coloque em outro lugar. Para a gente não faz sentido esse outro lugar. Tem que ser ali, até porque em breve vai inaugurar o outro monumento dos boêmios, que o Silva Freire inclusive faz parte, e a movimentação da boemia na década de 70 também gerou o intensivismo. E essa escultura vem do movimento do intensivismo, ela tem os princípios da linguagem de vanguarda do intensivismo”.
 
Foi criado também um abaixo-assinado pelo retorno da escultura. Veja AQUI.

A Prefeitura de Cuiabá se manifestou por meio de nota:

A Prefeitura de Cuiabá informa que já foi dado andamento no processo de confecção da escultura "Árvore de Todos os Povos", do artista gráfico Wlademir Dias-Pino. O monumento será refeito pela mesma empresa que confeccionou a primeira peça, utilizando material mais resistente ao tempo para evitar avariações. A escultura será colocada novamente na praça 8 de Abril em 45 dias. Quanto ao mural do artista plástico Adir Sodré, a gestão está em diálogo com a família do artista para definir a forma mais adequada de homenageá-lo, já que, após uma consulta técnica e análise do local, foi descartada a possibilidade de restauro da pintura original. A decisão de como será realizada a homenagem a Sodré será tomada mediante autorização dos familiares, que são os tutores de suas obras no momento.
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