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Fim do Ministério da Cultura pode afetar políticas públicas em Mato Grosso

Da Redação - Vitória Lopes

A curta vida balzaquiana do Ministério da Cultura, após ser ameaçada no governo de Michel Temer (MDB), finalmente foi ceifada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Criado em março de 1985, por José Sarney, agora a Cultura terá status de Secretaria dentro do Ministério da Cidadania, que também engloba Esportes e Desenvolvimento Social.

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Na reforma ministerial no Planalto – em que 7 pastas foram extintas -, o Ministério da Cultura foi um dos primeiros a entrar na fila da guilhotina. No atual governo, a então Secretaria Especial de Cultura ficará a cargo de Henrique Medeiros Pires, anunciado por Osmar Terra.

A redução da Cultura de ministério para secretaria afeta o trabalho da pasta, que há 33 anos vem conquistando resultados, ainda que ela nunca tenha sido prioridade. Analisando por um viés econômico, a Cultura tem um dos orçamentos mais baixos do Planalto – 2,4 bilhões de reais em 2016, sendo que economizou mais de R$ 8 milhões em 2017.

O Olhar Conceito conversou com cinco artistas mato-grossenses de diferentes áreas – literatura, artes plásticas, música e audiovisual – para entender quais as consequências que extinção da pasta pode levar para a cultura regional e produção nacional:

Artes plásticas
 

Ruth Albernaz (Crédito: TVCA)

A artista plástica Ruth Albernaz é enfática com o que representa a extinção do Ministério: um retrocesso. “Estamos vivendo um momento de retrocesso, que tantas políticas públicas que precisam ser implementadas e que a gente ainda está num trabalho de construção. Com a extinção da pasta, eu vejo que na verdade essas políticas públicas vão ser extintas ou vão ser fragilizadas”, comenta.

“Somos um país que fala mais de 200 idiomas indígenas, temos uma diversidade cultural tão grande”, diz Ruth, que inclusive, uma de suas maiores preocupações é com a comunidade indígena e a cultura urbana, que estarão mais pressionados para seguir um modelo de padronização de comportamento. “Eu vejo que quando a gente pensa em Ministério da Cultura, a gente tem que ver também que tem muitas outras políticas que não são do Ministério da Cultura, mas que elas vão influenciar a cultura, desde as políticas de saúde pública, que muitas vezes não está atendendo essas populações que vivem em territórios mais distantes”.

Em um cenário regional, a artista plástica relembra que museus mato-grossenses permanecem fechados. O descaso é tamanho que não existe, por exemplo, uma escola de Belas Artes para jovens artistas. “Em Mato Grosso o investimento sempre foi pouco. Se você for analisar quantos por cento é investido na pasta da cultura em Mato Grosso, é muito pequeno. Então não existe investimento em Mato Grosso em cultura, nada. E isso já é uma coisa que vem há muito tempo”.

“Pensando em artes plásticas agora, Mato Grosso é um estado que não tem um museu de artes plásticas funcionando. Não tem uma escola de Belas Artes, por exemplo. Então acho que estamos atrasados aqui uns 200 anos”.

Música
 

Orquestra Sinfônica de Mato Grosso

Aparentemente, a junção de pastas emitiria um sinal de mais eficiência e economia. No entanto, a extinção do Ministério da Cultura coloca em risco suas importantes conquistas. É o que observa o maestro Fabrício Carvalho, que exemplifica que na França, o Ministério da Cultura é o primeiro a ser definido. Ele considera que há uma perda de poder e um status simbólico em não ter um ministro com poder de decisão sobre políticas culturais.

“Quando esse governo traz pra uma característica de cidadania, no ministério, e rebaixa a nível de secretaria, ele ta reduzindo o nível de importância, a estratégia do desenvolvimento do país à plataforma cultural”, diz. “Não sei como isso vai ser tratado agora no Ministério da Cidadania, junto com Desenvolvimento Humano, com Esporte, Cultura, vai ser uma confusão... Espero que dê certo, que a cultura e o esporte não sofram tanto quanto parece. E são pastas que dialogam diretamente com a sociedade. Se há uma estratégia que equaliza, que coloca o rico e o pobre, o preto e o branco na mesma linha de raciocínio, é a cultura e o esporte”.

O debate sobre cultura mais discutido pela campanha eleitoral de Bolsonaro e por seus apoiadores se refere à extinção da Lei Rouanet, sem propor nenhuma alternativa concreta para o financiamento das ações culturais. “As discussões que se pautaram em relação à Lei Rouanet, são no meu entendimento, absurdas. O que se produz em relação a incentivo fiscal brasileiro, só na questãode produção de conteúdo e manutenção de escolas de música via Rouanet, é uma coisa maravilhosa. Se existiu um ou outro erro, desvio ou alguma outra coisa, não é por isso aconteceu que você tem que eliminar todo o processo político”, diz Fabrício.

Um avanço observado pelo maestro é a descentralização de políticas públicas que antes eram enraizadas no eixo Rio-São Paulo, e que começaram, exponencialmente, a atingir uma escala nacional. Um dos exemplos de projetos, inclusive, é o Instituto Ciranda, que tinha apoio do Ministério da Cultura, Furnas e da Lei Rouanet, e que provavelmente terá dificuldades ao longo desses quatro anos.

Audiovisual
 

Sem dúvidas, o audiovisual foi uma das produções culturais que mais foi beneficiada durante a existência do Ministério da Cultura – e que garantiu um ótimo retorno financeiro. O avanço é de seis a 150 filmes produzidos por ano entre 2003 e 2010.

Para o cineasta cuiabano Bruno Bini, o fim do ministério é um indicativo ruim, mas no Estado houve um exemplo de fundição de secretarias que teve um resultado positivo. Contudo, a diferença está na sensibilidade do gestor que será responsável pelas políticas culturais. “Em todo o caso, infelizmente até agora, o governo novo já deu demonstrações de que a cultura não é um dos setores prioritários para eles”, analisa.

Assim como Fabrício Carvalho, ele aponta também a parceria de órgãos federais como a Agência Nacional de Cinema (Ancine) com estados fora do eixo Rio-São Paulo para descentralizar a produção nacional, a partir de abertura de editais ou auxílio de recursos. Esse processo, que rendeu financeiramente e gerou empregos, não pode ser travado, ainda mais por uma “caça as bruxas da Lei Rouanet”.

De acordo com uma pesquisa encomendada pelo Minc e realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a cada R$ 1 investido por patrocinadores em projetos culturais por meio da Lei Rouanet, R$ 1,59 retorna para a economia do país. As conclusões mostram que a lei injetou R$ 49,8 bilhões na economia em 27 anos.

“A grande maioria de projetos aprovados são de produtores que estão tendo oportunidade de trabalhar, realizar seus projetos e de gerar emprego, e fazer circular a renda nos seus mercados de produção”, diz. “A Lei Rouanet gera recurso, ela dá retorno positivo pro Estado. Então se existe a vontade de fazer uma auditoria, de se verificar esse ou aquele produtor, essa ou aquela empresa sendo beneficiada indevidamente, que se faça”, complementa, explicando ainda que todo projeto tem uma prestação de contas no final, e que se não for aprovada, o produtor cultural tem que devolver o recurso.

Grafite
 

Se antes já era negligenciada pelos governantes e criticada pela sociedade, a arte da periferia continua sendo aquilo que desde o início surgiu: ser resistência e denúncia. É o que pensa, por exemplo, o grafiteiro e pintor Babu Seteoito, que vai continuar seu trabalho sem impacto nenhum. “Não vai deixar a tinta mais cara, os muros vão continuar existindo. Essa galera não precisa disso pra continuar fazendo. Precisa de outra coisa, não precisa do ministério, de autorização, de nada disso”.

Babu conta que quando começou a pintar, ele pensava que conseguiria viver da arte, fazer e vender suas telas. Dada as dificuldades, ele entrou em projetos sociais e teve acesso a verbas, como o Programa de Ação Cultural (ProAC). Mas a burocracia envolvida no processo desanima muitos artistas.

“Eu sempre achei muito burocrático e nunca conseguiu me atingir de alguma maneira. E eu sempre vejo vários artistas atingindo isso, mas não artistas que são próximos de mim. Em suma, [outros artistas] conseguem captar muito mais dinheiro através dessas linhas de financiamento que o governo oferece, que o ministério cobre e também faz isso. Então, pra mim, diretamente, é uma coisa assim que não vai me atingir. Eu não participo de programas do governo enquanto artista, não sou atingido com programas do governo que existe, eu sou um artista independente, e isso existe com a grande maioria dos grafiteiros”, explica.

Além disso, ele aponta como deveria ser revista a atuação das políticas culturais para a arte da periferia. “Os caras fazem um projetozinho tipo ProAC, um projeto ‘safado’, que só os tubarões conseguem atingir aquela linguagem. Pra começar, você tem que pagar alguém pra servir e inscrever teu projeto. o cara já quer 50% da história toda, que porcaria que é essa? Se o projeto é pro artista pra atingir a periferia, tem que estar na linguagem de algo que ele entenda, algo que ele consiga fazer e prestar conta”.

Literatura
 

 
O advogado e escritor Eduardo Mahon aponta que a extinção do MinC afeta diretamente o encaminhamento de projetos culturais. “O status de um ministério, de uma secretaria, dá autonomia administrativa a essa máquina burocrática. Quando ela fica subordinada a outro ministério, a outra secretaria, todo aquele conjunto de funcionamento vai perder capacidade, iniciativa, criatividade, enfim, é uma pena. Porque a cultura é o patinho feio da administração tanto federal como estadual. É o ministério que consome menos recursos de todos os outros. Mas é o ministério mais importante do Brasil, dada a diversidade cultural do Brasil”.

Ainda de acordo com ele, o impacto em Mato Grosso vai depender mais da legislação do que da administração, e o segmento da literatura, assim, como a arte de periferia, pode não sentir tanto um abalo. "No meu segmento, as coisas se dão de uma maneira diferente. A afetação do audiovisual é muito maior do que a literatura. Pelo seguinte: a literatura é o filho mais feio do patinho feio", compara.

"É o segmento menos financiado, com menos subsídio. É o segmento menos caro, é o patinho feio da história. Agora, porque que a literatura está sofrendo tanto no Brasil? Aí já tem muito mais a ver com a questão aguda do mercado editorial e sua irresponsabilidade, do que com financiamento público. Porque a literatura sobrevive sem financiamento público".
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