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Produtor de rapadura de Bonsucesso teme fim da tradição: "não é qualquer um que aguenta"

Da Redação - Isabela Mercuri

Todos os dias Flavio Ferreira, 54, acorda às 5h da manhã e vai com Diego e Jorge – seus bois – para o canavial. Corta uma boa quantidade de cana, e volta para casa por volta das 7h, quando toma seu café antes de começar a descascar e moê-las. Nove e meia a garapa vai pra um tacho, no fogo, onde fica apurando por quase três horas. Depois disso, o que fica é o sumo reduzido, que, seco, se transforma na rapadura que ele vende à tarde. Às vezes, dá tempo de dormir um pouco em cima do bagaço.

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O trabalho puxado já se tornou inerente a ele. Já era feito por sua mãe, Dona Buguela, e também por seus avós, desde sempre na comunidade de Bonsucesso, em Várzea Grande. “Bem dizer, desde os sete dias de nascimento eu já vim pra cá. Olhando minha mãe com meu pai fazer aqui. Tinha uma bacia, e nessa bacia eu já vinha e ficava aí olhando”, lembra o artesão.

Flávio mexendo a garapa (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Flávio é um dos poucos que mantém a tradição no local, e acredita que a tendência, com o passar dos anos, é que ela desapareça. Casado, ele tem duas filhas, uma é engenheira florestal e outra é psicóloga, as duas também já se casaram e nem pensam em apurar rapadura pra viver. “Elas estudaram, né? O pai ralou aqui, tem que estudar...”, afirma. “Quando eu não aguentar mais, a tendência é essa [que acabe]. Porque não é qualquer um que aguenta”.

De acordo com um estudo publicado em 2016, “Aspectos culturais no processo de produção de rapadura na comunidade de Bonsucesso em Várzea Grande / MT”, restavam naquele ano apenas cinco engenhos, e o número diminuía aos poucos, com a morte ou aposentadoria dos artesãos e a falta de interesse dos jovens pela produção.



Ainda segundo o estudo, Bonsucesso é o mais antigo distrito de Várzea Grande, e cresceu em torno dos engenhos de açúcar. “As terras onde se situa Bonsucesso pertenciam, no século XIX, a Justino Antônio da Silva Claro, fazendeiro que possuía empregados e escravos. Seus herdeiros dividiram a área de terra e nela fizeram suas criações e lavoura, sendo a cana-de-açúcar a principal plantação, da qual se produzia aguardente de alambique, além do “açúcar de barro”, espécie de açúcar mascavo e rapadura (ANDRADE & SILVA, 2012)”.

Flávio, um dos que restaram, mantém a família com a venda e com o apoio da esposa, que é cabeleireira. Hoje, ele chega a produzir de 25 a 30 peças na época de chuva, “quando a cana está mais aguada”, e um pouco mais na seca. Antes de fazer o produto, já conta com uma série de encomendas.

Apesar das dificuldades, ele conta que adora o que faz. “Aqui é uma terapia pra gente. Cada hora vem um aluno de faculdade, de engenharia de alimentos, hoje vieram mais de 15 carros aí. Toda hora... [a gente] não fica sozinho, é difícil. Toda hora é uma pessoa com sotaque diferente”, comemora.


 
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