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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Adeptos do transumanismo implantam chips e imãs nas mãos

RIO - Com um chip RFID (de identificação por radiofrequência) implantado na mão esquerda, o empresário Erico Perrella é o único capaz de desbloquear seu smartphone, e só com a sua proximidade ao aparelho. Já o body piercer Rafael Leão consegue atrair objetos de metal e, segundo ele, sentir energias magnéticas devido ao ímã que possui na ponta de um dos dedos. Apesar de parecerem personagens de ficção científica, ambos fazem parte de um fenômeno real: são adeptos do transumanismo (H+, na sigla), um movimento intelectual que prega o uso da tecnologia para ampliar as capacidades humanas, e que, segundo historiadores e futurólogos, poderá alterar a evolução da nossa espécie com novas oportunidades, mas, também, assustadores perigos.

No entanto, enquanto seus entusiastas veem os implantes subcutâneos como um pequeno passo em direção a um futuro em que homens e máquinas poderiam compor um ser híbrido, para o Conselho Federal de Medicina (CFM) a novidade representa um potencial risco à saúde destas pessoas — o que não impede que brasileiros adquiram as peças em sites estrangeiros e as implantem por conta própria, ou com a ajuda de body piercers.

— Ao mesmo tempo que parecem brincadeira, esses implantes sinalizam um futuro que faz sentido — afirma Perrella, de 23 anos, que possui o chip na mão desde o final de 2014, quando o colocou com a ajuda de um amigo. — Não à toa, empresas como o Google vêm investindo em soluções como lentes de contato que levem informações aos olhos de seus usuários. No futuro, quem sabe, poderemos trocar nossos membros por outros mecânicos, melhores, como uma mão mais forte.

Referência na realização de implantes de chips e ímãs no Brasil, o profissional de body piercing Rafael Leão, de 30 anos, conta já ter feito o procedimento em ao menos 14 pessoas desde 2012.

— Realizo o implante por meio de seringas e agulhas descartáveis, que são vendidas com os próprios chips e ímãs. O cliente chega com as peças, que são encapsuladas em materiais biocompatíveis (cerâmicas e vidros não rejeitados pelo corpo), e eu faço o procedimento, que custa em torno de R$ 150 — explica ele, garantindo que é tudo legal. — É bem rápido, e feito de acordo com as normas acordadas com juntas médicas. Não há cortes.

Leão, que também tem um ímã em uma das mãos, diz que se interessou pelo H+ após ter entrado em contato com alguns de seus adeptos fora do país:

— Comecei a ter contato com um pessoal de fora com esse tipo de implante, e aí fiquei curioso. Hoje tenho um ímã em uma das mãos, e é quase como um sexto sentido. Você vai pegar um fone de ouvido e sente o magnetismo.

MOVIMENTO MUNDIAL

E os brasileiros não estão sozinhos na adoção dos implantes. No início deste ano, o edifício Epicenter, na Suécia, ofereceu aos 400 trabalhadores do prédio a opção de trocar o crachá de acesso ao local por um chip RFID, que poderia ser implantado nas suas mãos.

No mês passado, foi a vez de o pesquisador de segurança digital Seth Wahle virar notícia ao adotar o implante subcutâneo para hackear smartphones com o sistema operacional Android — o experimento foi apresentado na conferência Hack Miami, nos EUA.

Esses episódios, no entanto, são apenas uma pequena parte de um movimento maior e mais antigo. Com uma origem que remonta ao início do século passado, o H+ tem, inclusive, uma associação internacional: a Humanity+. Criada em 1998 pelos filósofos Nick Bostrom e David Pearce, ela atualmente conta com mais seis mil membros em todo o mundo, e se dedica ao “uso ético da tecnologia para expandir as capacidades humanas”.

Além disso, vislumbrados em obras como os filmes “Blade Runner” (1982), a série de TV “Jornada nas estrelas” e até em jogos de videogame, como “Deus Ex: human revolution” (2011), os conceitos por trás da integração entre homens e máquinas encontram eco nas observações de diversos especialistas conceituados.

Notório por suas previsões acertadas — em 1990, ele anteviu a ascensão da internet —, o engenheiro do Google Ray Kurzweil, por exemplo, acredita que até 2030 seremos capazes de conectar nossa mente à nuvem de dados.

— Nosso pensamento será um híbrido biológico e não biológico. Vamos gradualmente nos mesclar (com a tecnologia) e nos aprimorar — afirmou ele em uma palestra recente em Nova York.

Autor do best-seller “Sapiens — Uma breve história da humanidade”, o historiador israelense Yuval Harari afirma em seu último livro, “A História do amanhã”, publicado este ano, e disponível somente em hebraico, por enquanto, que os próximos objetivos da Humanidade são justamente “vencer a morte”, “alcançar a felicidade” e “melhorar o corpo”, por meio do uso de aprimoramentos tecnológicos.

— Pela História houve muitas revoluções econômicas, sociais e políticas. Mas uma coisa permanece constante: a própria Humanidade. Ainda temos o mesmo corpo e a mesma mente que os nossos ancestrais, sejam aqueles do império inca ou do antigo Egito. No entanto, nas próximas décadas, pela primeira vez, a Humanidade passará por uma revolução radical — explica Harari, em entrevista por e-mail. — Nossos corpos e mentes serão transformados pela engenharia genética, nanotecnologia e interfaces entre cérebro e computadores. Assim, corpos e mentes serão os principais produtos do século XXI.

No entanto, de acordo com Harari, ao mesmo tempo que o H+ sinaliza novas oportunidades, ele também nos apresenta novos riscos:

— Se as elites do século XXI tiverem acesso preferencial a tecnologias de aprimoramentos corporais, o resultado pode ser a tradução da desigualdade social em um desequilíbrio biológico.

Enquanto este futuro não chega, os entusiastas do transumanismo dão pequenos passos em direção à tendência adquirindo seus chips e ímãs em lojas on-line especializadas no segmento.

Na americana Dangerous Things, por exemplo, uma das principais do mercado, é possível encontrar estes itens por valores entre US$ 39 e US$ 69. No caso dos chips, eles variam entre duas tecnologias de transmissão de dados: RFID e NFC, esta última compatível com a maioria dos smartphones modernos.

CFM: ‘PRÁTICA PERIGOSA’

Fundador da loja e autor do livro “RFID toys“ (“Brinquedos RFID”, em tradução livre), Amal Graafstra se interessou pelo movimento H+ em 2005, quando teve a ideia de criar um meio de entrar em seu escritório e na sua casa sem que fosse preciso usar chaves. Para isso, recorreu a um chip subcutâneo RFID e, pouco tempo depois, decidiu abrir a sua loja on-line:

— Percebi que o interesse sobre os implantes de chips RFID vinha crescendo, mas as pessoas careciam de fornecedores seguros desses itens, que eram encapsulados em vidro e com componentes tóxicos. Por isso criei a minha loja, para fornecer apenas itens com materiais de qualidade, biocompatíveis, e testados.

No entanto, para o médico e membro do Conselho Federal de Medicina (CFM) Sidnei Gusmão, os perigos que tais itens representam são maiores do que seu tamanho faz parecer:

— Eles não são aprovados pelas autoridades médicas. Ao injetá-los por debaixo da pele, as pessoas podem atingir vasos ou artérias, fazendo com que o corpo estranho possa migrar para órgãos. Mesmo que as peças sejam pequenas, o problema decorrente disso pode ser enorme.
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