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Quinta-feira, 25 de abril de 2024

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"Terapia de Risco" investiga relação entre conforto emocional e capitalismo

Como em "Confissões de uma Garota de Programa", em "Terapia de Risco", o diretor Steven Soderbergh arma um jogo duplo. Aquele filme, protagonizado por uma atriz pornô, não era sobre as dores e alegrias de uma prostituta de luxo, mas sobre relacionamentos, que não envolvem necessariamente sexo, mas que são pautados como mercadoria.

Neste novo suspense, "Terapia de Risco", o cineasta parece estar falando dos perigos do vício em remédios. O filme até é sobre isso, mas só na superfície.

Novamente, Soderbergh fala do capitalismo, da transformação da felicidade em mercadoria, em lucro, ao depender de ser proporcionada por antidepressivos. Não à toa a fotografia (assinada pelo próprio diretor, escondendo-se atrás de um pseudônimo) evoca o clima, as cores e texturas dos comerciais desse tipo de droga.

Na primeira metade de "Terapia de Risco", diversos personagens, não apenas a protagonista, Emily (Rooney Mara), encontram conforto em comprimidos. Mas a trama, assinada por Scott Z. Burns ("Contágio"), promete algumas reviravoltas e deixa claro que há algo de mais doentio na sociedade norte-americana do que apenas a depressão de um povo passando por uma séria crise econômica.

Vemos Emily levando uma vida aparentemente normal e equilibrada até que seu marido, Martin (Channing Tatum), saia da prisão, onde cumpria pena por fraude financeira. Nesse momento, apesar da euforia de recebê-lo de volta, a garota cai em depressão. Depois de jogar o carro contra a parede de um estacionamento, ela volta à terapia e é tratada pelo dr. Jonathan (Jude Law).

Sabiamente, o diretor se dá ao trabalho de construir personagens. Vemos que o médico também está com alguma dificuldade financeira, sua mulher (Vinessa Shaw) está desempregada e quase deprimida. Para evitar que ela caia numa crise mais grave, ele providencia algumas pílulas de tempos em tempos.

Mas, uma vez que Emily não responde ao tratamento, o médico resolve mudar a medicação. Convenientemente, ele receita um remédio produzido por um laboratório que está pagando para ele testar o novo remédio em seus pacientes. Depois disso, a garota passa a ter uma energia de vida que não experimentava há tempos. Mas também sofre sérios efeitos colaterais, como paranoia e sonambulismo.

Essa primeira parte é narrada com riqueza de detalhes do metiê médico e farmacológico. E o filme se mostra tão rico em suas possibilidades que, realmente, é surpreendente quando toma outros caminhos a partir dos sintomas desenvolvidos por Emily.

Como em "Os Homens que não Amavam as Mulheres", Rooney Mara mostra que é uma das melhores atrizes da sua geração, por ser capaz de transformar-se de uma cena para outra. Olhando em retrospecto, quando finalmente sua personagem deixa cair a máscara, percebe-se o quanto tudo faz sentido.

A partir do momento em que Emily, num surto de sonambulismo, comete um assassinato, "Terapia de Risco" ganha outro ritmo, outro enfoque e outra personagem começa a se destacar, a dra. Victoria (Catherine Zeta-Jones), antiga terapeuta da protagonista.

Nesse momento, o longa parece se transformar num drama de tribunal, com o julgamento de Emily, procedimentos investigativos e negociações. Novamente, trata-se de uma mera desculpa para Soderbergh mostrar o que realmente lhe interessa: a cobiça. E o personagem de Jude Law se transforma num herói, ainda que tenha falhas.

Soderbergh anunciou que este será seu último filme para o cinema. Seu mais recente trabalho, "Behind the Candelabra", faz parte da seleção do Festival de Cannes, e depois será exibido na TV a cabo.

Em sua obra -especialmente dos últimos anos, que inclui a série iniciada com "11 Homens e 1 Segredo", "Magic Mike" -, o diretor tem investigado os efeitos do capitalismo sobre a vida das pessoas comuns, evidenciando suas contradições.
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