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Sábado, 08 de novembro de 2025

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Conheça o brechó ‘Cariñito’ criado por peruana que trocou carreira na ciência pela moda e upcycling em Cuiabá

Foto: Reprodução

Conheça o brechó ‘Cariñito’ criado por peruana que trocou carreira na ciência pela moda e upcycling em Cuiabá
Quando chegou em Cuiabá, em fevereiro de 2020, a peruana Karen Castillo, de 32 anos, teve poucas semanas no mundo sem máscaras e fechado pela covid-19, acontecimento que transformou a primeira experiência de Karen em terras brasileiras em algo que, apesar de traumático, a fez mergulhar em um processo de redescoberta pessoal. Alheia ao mundo dos trabalhos manuais, ela sempre se classificou com alguém “das ciências”, mas decidiu se aventurar em um curso de corte e costura quando tirou um período de descanso dois anos depois de mudar de país para estudar. A mudança foi tão profunda que ela chegou a trabalhar no ateliê de noivas Nathalia Sucolotti, onde aprendeu a fazer vestidos sob medida. 


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Na moda, a metamorfose feita por designer que criam novas peças usando materiais que seriam descartados é conhecida como “upcycling”. Através das linhas e agulhas, Karen descobriu o prazer de criar as próprias roupas e transformar em novas as que garimpa no brechó criado por ela, chamado “Cariñito”. Do universo dos brechós, a peruana era apenas consumidora e não se imaginava garimpando peças com décadas de existência.

Quando decidiu criar o Cariñito, quis aprender a costurar para conseguir melhorar as técnicas de upcycling e curadoria das roupas, já que muitas vezes vale a pena fazer pequenos reparos no que foi garimpado nos bazares. 

O brechó nasceu em um momento em que Karen se sentia “perdida”. Depois dos anos de lockdown e do medo que conta ter sentido ao ver de perto a forma que políticas públicas de combate ao vírus foram conduzidas no Brasil, a peruana se viu com sintomas graves de ansiedade. Em um país novo, sem amigos ou familiares, ela morava com outra peruana e um colombiano, Karen tinha pouco contato com a língua portuguesa e com a cidade em que estava morando. Aos poucos, a incerteza sobre o futuro começou a pesar. 

“Quase desisti do mestrado no segundo ano, antes da qualificação, mas tinha que terminar até por conta da bolsa, eu teria que devolver. Fiz na marra praticamente, consegui terminar. Nesse processo, comecei a fazer terapia, porque estava com crises de ansiedade, tomando remédios, foi um tempo bem duro. Quando terminou a dissertação, decidi que me daria um tempo para descansar e fazer outra coisa, porque virou como se fosse um trauma, por exemplo o som do alarme para acordar para a aula, não conseguia mais ouvir essa música, era muito forte”, lembra Karen. 

Aos poucos, ela foi conquistando os primeiros clientes no brechó que, até então, era como se fosse um hobby. À medida em que foi pegando gosto pela moda, também foi crescendo a vontade de aprender mais e ela decidiu se inscrever em um curso de modelagem sob medida no Senai. 

"Foi tudo pela primeira vez, nunca na minha vida tive contato com trabalhos manuais. Eu gostei, realmente me trouxe um alívio. Sempre fui da parte das ciências, então era uma coisa totalmente diferente”. 
 

Infância vendo familiares costurarem 

Apesar de nunca ter sido próxima dos trabalhos manuais, Karen lembra que cresceu assistindo o bisavô paterno e a avó materna usando máquinas de costura. Apesar do avô ser professor, o pai dele e os irmãos eram alfaiates em uma pequena cidade no interior do Peru. No entanto, apesar de achar a atividade legal, a jovem nunca sequer pensou em tentar aprender ou sentiu curiosidade sobre o que poderia ser feito com linhas e agulhas. 

“Minha avó materna fazia minhas roupas quando eu era criança, mas eu nunca tive interesse em aprender, eu achava legal, mas não era para mim. Fui fazer o curso, aprendi, fiz minhas primeiras peças e fiquei super empolgada, vi que eu tinha uma facilidade. Continuei costurando e aprendendo por minha conta. Comecei com uma máquina de costura emprestada pela minha sogra, depois comprei a minha com ajuda do meu pai que está no Peru”. 

No final de 2023, Karen decidiu ir além e ingressou em um curso técnico de designer de moda na Univag. Se antes buscava aprimorar a parte técnica, o novo desafio tinha como objetivo estimular a criatividade. O trabalho final foi um desfile com uma coleção cápsula de 10 modelos, em que confeccionou três looks. O tema escolhido foi “Las Capulanas”, uma etnia pré-inca que existiu em Piura, sua cidade natal no norte do Peru, marcada pelo matriarcado.

“Decidi que precisava fazer sobre isso, porque fazia parte de mim, da minha cidade, de toda a minha família. Fiz uma pesquisa, encontrei pouco sobre o vestuário delas, mas descobri que usavam algodão, porque é uma região muito quente, perto do mar, um bosque seco. Fiz meus dois looks inspirados nelas”, conta.

Paralelo a esse processo, criou um Instagram para compartilhar as criações e aprendizados, que rapidamente ganhou repercussão e hoje soma 14 mil seguidores, entre costureiros iniciantes e apaixonados pela área. “No início eu postava sempre, foi crescendo rápido, mais do que eu esperava. De outubro para cá dei uma pausa por cansaço, mas quero manter, porque é um espaço importante de troca”, afirma.

Em 2024, trabalhou em um ateliê de noivas, onde se aprofundou em técnica e modelagem, aprendendo na prática a lidar com peças complexas. Ao mesmo tempo, mantém o Cariñito ativo e planeja criar uma marca autoral voltada para roupas femininas, ainda em definição se será por coleções ou sob encomenda.

Hoje, ao olhar para trás, Karen avalia que sua vida mudou completamente em Cuiabá, mesmo que o início tenha sido turbulento. “Foi um caos, inclusive a decisão de ficar aqui. Acho que se tivesse voltado para o Peru teria seguido na biologia, mas aqui encontrei essa oportunidade de fazer algo novo. Foi difícil aceitar a mudança de profissão, porque eu já tinha certo reconhecimento na minha área, e de repente estava começando do zero. Mas hoje me sinto mais tranquila, gosto do que faço.”

Ela diz que encontrou na costura um espaço de refúgio. “Não sei explicar o que sinto quando estou costurando ou fazendo algum trabalho manual, é como se fosse um espaço onde os problemas de fora não entram. É muito diferente trabalhar com arte e com as coisas que você cria com as mãos.”
 
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