A sala ampla do Estúdio Muv, que fica no Conjunto Comercial, um prédio charmoso de tijolinhos no bairro Quilombo, em Cuiabá, diariamente recebe dezenas de mulheres que encontraram no pole, seja na categoria sensual ou sport, uma ferramenta de força e autoconhecimento. As sócias Beatriz Sacramento e Julia Brunken, de 28 e 32 anos, antes eram professoras no local, mas quando a antiga proprietária decidiu que fecharia o espaço para seguir outros caminhos profissionais, elas toparam o desafio de empreender. Juntas, elas embarcaram em uma jornada de resistência e reinvenção, sonhando em espalhar a "palavra do pole" para mais mulheres.
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"A Paula, antiga proprietária, disse: ‘estou saindo, vocês querem para vocês?’. O estúdio era em uma sala bem menor, mas já tinha quatro barras, alguns espelhos e muitos materiais que aproveitamos de lá. Dois anos depois conseguimos vir para esse lugar maior, com mais barras e mais espelhos. Em novembro vai fazer 3 anos. Hoje estamos chegando a quase 50 alunas, temos alunos homens, mas as mulheres são maioria", explica Julia.
"Pegamos o estúdio porque não queríamos deixar Cuiabá sem opções. Pole também é sobre força. Você entra para treinar e esquece de tudo lá fora", continua.
O espaço do estúdio é iluminado por um espelho que cobre uma das paredee reflete as seis barras de metal espalhadas pela sala, onde também acontecem aulas de stiletto com a professora Isabella Marques. No chão, sentadas lado a lado em tatames, as sócias conversam com a reportagem do Olhar Conceito.
“O pole sensual não é sobre agradar ninguém, é sobre se olhar e se enxergar como mulher”, diz Beatriz, que divide a rotina de professora com o trabalho como química na UFMT. “A gente vê alunas que chegam tímidas, de camiseta e short, e depois de algumas aulas já estão animadas, contando que compraram o primeiro conjunto de pole. É um processo bonito de se ver, porque passa muito pelo espelho, pelo momento em que elas param de olhar para mim e começam a se olhar.”
Se engana, no entanto, quem pensa que os passos sensuais de dança dispensam esforço físico. “É um esporte que exige muito do corpo. Você precisa estar atento o tempo todo, porque são movimentos que não se parecem com nada do dia a dia”, explica Julia, que praticava desde 2015, mas nunca se imaginou como professora até começar a dar aulas em casa durante a pandemia da covid-19.
Depois, ela foi chamada para ser professora no Estúdio Muv, onde conheceu Beatriz, que também não imaginava que encontria no pole uma nova profissão. “Comecei ajudando como fotógrafa, cuidando das redes sociais. Mas logo surgiu a necessidade de alguém para dar aulas básicas. No início só tinha pole sport, mais focado nas acrobacias, na força. O pole sensual era oferecido em datas especiais, e foi numa dessas que dei minha primeira aula de chair dance, no Dia dos Namorados. Depois comecei a dar pole sport e acabei me encontrando no sensual”, conta.
Formada em Química, ela ainda mantém uma rotina dupla: além de dar aulas no Muv, trabalha no Núcleo de Saneamento da UFMT.
Esporte para todas as idades
Adolescentes, mulheres jovens, mães, profissionais com rotinas exaustivas e mulheres de mais de 60 anos estão entre as alunas de pole do estúdio. “Um dos médicos disse que ela teria que parar. Ela brincou que então ia procurar outro médico. É isso, o pole faz parte da vida dela”, conta Julia, rindo. O espaço também já recebe adolescentes com mais de 14 anos na turma de pole sport. Já o pole sensual só pode ser feito por maiores de 18.
Esse ambiente diverso não é por acaso. As duas pensam cada detalhe para que o estúdio seja acolhedor. “Sempre incentivamos as mães a não faltarem. Podem trazer os filhos. Temos colchão, lápis de cor, espaço para brincar. A vida da mulher já é muito corrida, ela tem pouco tempo para si mesma, então criamos ferramentas para que elas não desistam”, diz Bia.
Mas se acolher é uma parte essencial, exigir do corpo também é. “O pole não é qualquer coisinha. É muito difícil. São movimentos que não lembram nada do que fazemos no dia a dia, então é normal chegar e não entender o que o corpo está fazendo. Mas treino é isso: não é conseguir de primeira, é estar no processo”, explica Julia. Para além da sensualidade, há suor, esforço, quedas, tentativas.
Não são raros os relatos de alunas que chegam recém-saídas de relacionamentos, tentando se reconstruir. “Elas chegam destruídas, picotadas… achando que a sensualidade vai resolver. Mas percebem que é outra coisa. É sobre enxergar a mulher que são, sobre se reconhecer. É um processo de cura”, completa.
O desejo de transformar o pole em algo maior atravessa também os planos para o futuro. Beatriz sonha em realizar o primeiro festival mato-grossense de pole dance, reunindo praticantes de Cuiabá e do interior de Mato Grosso.
“Seria incrível juntar todo mundo que pratica pole aqui, transformar isso em algo da cidade, um evento cuiabano de pole. Mostrar que não é só esporte ou dança, mas também cultura. Levar para o teatro, desmistificar essa ideia de que é ‘coisa de puta’”, diz.
Julia concorda: “Tem outro estúdio em Cuiabá, o Mátria, mas só tem uma opção? Se a pessoa não gostar dele, não vai fazer? Academia, escola de dança e crossfit, tem quantas em Cuiabá? Cadê as escolas de pole dance? Queremos que mais pessoas façam".