A história da macaca-aranha de testa branca Chicó, resgatada após 20 anos em um bar de beira de estrada em Sorriso (MT), expõe os impactos do cativeiro e da retirada de animais silvestres de seu habitat. Após o resgate, ela passou por reabilitação no Hospital Veterinário da UFMT antes de ser encaminhada, em 2021, ao BioParque Vale Amazônia, no Complexo de Carajás (PA). Lá, tornou-se um dos casos mais complexos já enfrentados pela equipe, pois não reconhecia sua própria espécie — havia convivido apenas com seres humanos — e ainda apresentava sintomas de abstinência, depois de anos sendo forçada a consumir álcool e fumar narguilé.
Leia também
Pesquisa revela que sertanejo e gospel são ritmos mais ouvidos em Cuiabá; 87% dos entrevistados são héteros
No podcast A Hora, do UOL, o jornalista José Roberto de Tolet, contou que esteve no bioparque na última semana e teve oportunidade de conhecer o caso da Chicó. Ela é uma das 300 espécies que, por sequer terem aprendido o que é viver na natureza, não seriam capazes de sobreviver na vida animal.
Segundo Toledo, a trajetória de Chicó ilustra não apenas a crueldade do cativeiro, mas também a complexidade da reabilitação de animais que viveram toda a vida em contato com humanos. “Ela só conhecia pessoas. Provavelmente sua mãe foi morta numa caçada e, ainda filhote, foi capturada. Nunca tinha visto outro macaco, não se reconhecia como tal”, contou.
No bioparque, a primeira etapa do tratamento foi aproximá-la gradualmente de outros indivíduos da mesma espécie, em ilhas cercadas. Foram três meses até que perdesse o medo e fosse aceita pelo grupo liderado por uma fêmea chamada Mariana.
Ao chegar ao espaço, a macaca apresentava sintomas de abstinência, incapacidade de se reconhecer como parte da própria espécie e dificuldades motoras, como o uso da cauda para sustentação, habilidade típica do macaco-aranha.
Exames de sangue, fezes, urina e imagem foram realizados para mapear a extensão dos danos. Aos poucos, Chicó passou a apresentar deslocamentos mais típicos da espécie, vocalizações de intimidação e aproximação e maior capacidade de expressar emoções. O avanço, porém, não elimina as marcas permanentes de duas décadas de maus-tratos. Por isso, mesmo após os progressos no Pará, não há possibilidade de devolução à floresta.
“Já passaram pelo menos 400 animais nessa situação desde que foram recuperados pelas autoridades e levados para lá para serem reabilitados. Deles, 100 foram reintroduzidos na mata e na floresta, mas 300 continuam lá e não vão sair de lá. Porque como no caso do Chicó, alguns nem sequer aprenderam a ser bichos silvestres, se você colocar ele na floresta, ele vai morrer, não vai conseguir se alimentar, vai ser predado”.
“Você pode achar um pouco cruel manter o animal perdido ali, primeiro estão preservando a vida dos animais e segundo, eles tem um papel muito importante e pouco conhecido: eles são uma espécie de banco genético da espécie. Algumas delas estão em risco de extinção e outras já estão extintas no ambiente natural. Então, a diversidade genética está justamente nesses bio parques e zoológicos, porque são animais, dos poucos que restaram, mas não são parentes entre si”.
Em Carajás, além dos macacos-aranha, vivem onças-pintadas amazônicas e do Cerrado, suçuaranas e centenas de aves, como a arara-azul, que está em risco de extinção.