Antes da pandemia da covid-19 multiplicar casos confirmados no Brasil no início de 2020, a servidora pública Dálete Campos Mariano, de 35 anos, fez uma aula experimental de pole dance a convite de uma amiga em um estúdio de Cuiabá. De 2020 para cá, Dálete acumulou participações em festivais e busca conciliar as férias do trabalho para participar de eventos dedicados ao pole. Ela já passou por Goiânia, Porto Alegre, Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro. O último deles aconteceu no mês passado, quando se apresentou no palco do Rio Pole Fest ao som de “Ego”, da Beyoncé.
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Depois de praticar os primeiros movimentos na barra e se surpreender com a força que eles exigem do corpo, Dálete se apaixonou pelo esporte. Durante os meses de quarentena, em isolamento por conta do vírus avassalador, ela transformou um cômodo inutilizado da casa da mãe em um estúdio improvisado: comprou a própria barra, pintou as paredes, instalou espelho e luminárias. O que era apenas curiosidade virou válvula de escape, e o pole, seu maior refúgio.
O que parecia uma atividade física desafiadora se tornou também um caminho de autoconhecimento. Mesmo com as limitações do distanciamento social, ela seguiu treinando sozinha, acompanhando aulas online e registrando os movimentos em vídeo para ajustar cada detalhe. “O pole me ajudou a entender minha força, não só física, mas emocional. Durante a pandemia, ele salvou minha sanidade”, conta Dálete.
Além da disciplina corporal, o esporte abriu espaço para conexões e trocas. Dálete agora integra uma comunidade virtual de praticantes de todo o Brasil, onde mulheres compartilham experiências, aprendizados e acolhimento. "Agora, quando penso em uma pessoa forte, penso em uma mulher forte. As mulheres que conheci nesse mundo são muito interessantes, inspiradoras mesmo."
Dálete entre as participantes do Rio Pole Fest, que aconteceu em abril, no Rio de Janeiro. (Foto: Arquivo Pessoal)
De criança tímida para estrela nos palcos do Brasil
A timidez acompanhou Dálete durante grande parte da vida, principalmente durante a infância. Apesar de amar dançar, a vergonha a impedia de movimentar o corpo como passou a fazer na vida adulta. Além de descobrir novas formas de se expressar com o pole, a servidora também encontrou uma ferramenta para fortalecer a auto estima.
“Depois que fiz 30 anos, comecei a ficar menos preocupada com o que os outros iam achar e um pouco mais à vontade. O pole deu uma outra perspectiva para isso, porque a gente é muito incentivado a se expressar através do pole, tem os festivais, todos os estúdios costumam fazer os showcases, as apresentações das alunas, e é uma oportunidade de você se expressar”.
As apresentações nos showcases dos estúdios foram determinantes nesse processo: “cada coreografia é uma história que estou contando, é um momento da minha vida que estou expressando através da dança”, diz. Para Dálete, essa experiência permitiu que se tornasse mais desinibida e passasse a se cobrar menos, entendendo o palco como um lugar onde poderia simplesmente ser vista e ouvida, mesmo que apenas por um pequeno grupo.
Além da leveza e fluidez nos movimentos, que tornam a força necessária para fazer as acrobacias quase imperceptíveis, o sorriso que mantém no rosto é um dos diferenciais das apresentações da servidora pública. Enquanto gira na barra ou fica de ponta cabeça, Dálete aparece sempre sorrindo, o que ela explica como reflexo de algo primordial: se divertir no palco.
“A cada dança tenho ficado menos preocupada com perfeição e ‘ai meu Deus para onde vou daqui’. Só me divirto no palco. Quando você não está se divertindo, você não toca o público, a energia é outra, é uma energia tensa, de quem está preocupado em se provar. Quanto mais eu sei o meu valor, quanto mais tenho em mente todo o meu percurso e tudo que já construí até aqui, menos eu me preocupo em me provar para os outros, sabe? Isso é muito bom, porque dá uma leveza na vida, na dança e em qualquer outra coisa. Você pode só ser. Quando você não está preocupado em se provar, você flui melhor”.
Servidora também participou de um curso de formação no estúdio Pin Up, no Rio de Janeiro. (Foto: Arquivo Pessoal)
Dançando a vida
Em momentos de dor emocional, como o término de um relacionamento ou uma crise depressiva, ela levou seus sentimentos para a dança. Cada movimento se tornou uma tentativa de elaboração do que estava vivendo. “O que mais gosto é disso, de poder contar uma história, poder expressar algo que quero dizer por meio da dança. Às vezes é algo mais sério, em outras é algo mais divertido”, explica.
Em uma apresentação no Ceará, por exemplo, ela escolheu “dançar a depressão” — uma coreografia intensa e simbólica que refletia exatamente o que sentia naquele momento da vida. Certa vez, ela participou de uma experiência no estúdio Metrópole, em São Paulo (SP), em que montava uma coreografia e registrava tudo em uma sessão de foto e vídeo.
Naquele período, Dálete estava passando por um momento delicado da vida adulta e foi importante ter deixado os sentimentos fluírem enquanto dançava “I Shall Be Realized”, na voz de Nina Simone.
“Tudo que a gente expressa com o corpo, não é ‘só no corpo’. O seu cérebro vê como está a sua postura corporal e traduz isso nas suas emoções, se você está prostrado, seu cérebro entende que você está triste e você fica mais triste. Então, tudo que envolve a movimentação, ela afeta as suas emoções e seu bem estar. O pole, por ser uma movimentação, traz isso para o cérebro, mas para além disso é um espaço de troca com pessoas muito interessantes”.
Dálete destaca o apoio da família em sua trajetória com o pole dance. Em um vídeo de uma das suas apresentações, gravado pela mãe, que apesar de ter ficado surpresa quando a filha decidiu mergulhar de cabeça nos movimentos da barra, aparece vibrando orgulhosa a cada movimento da filha.
Atualmente, Dálete é aluna do estúdio Mátria, em Cuiabá, onde também se apresenta em showcases. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ensinar também é aprender
Com o passar dos anos, o envolvimento de Dálete com o pole dance deixou de ser apenas pessoal e passou a despertar nela a vontade de compartilhar o que sabia. Ela chegou a fazer cursos de instrutora e, em 2021, deu aulas para uma amiga em casa. A experiência foi marcante. “Enquanto estou ensinando, estou aprendendo também”, diz. Ainda que não tenha seguido profissionalmente como professora, Dálete acredita que essa troca é uma das partes mais ricas da prática.
Ela vê o ensino do pole como um processo que exige cuidado e respeito. “Não é só chegar ensinando, tem toda uma preparação. O ensino do pole passa muito por isso: enquanto professora e instrutora, você tem que respeitar muito o tempo da pessoa, a forma como aquele corpo se movimenta e como aquela pessoa quer se expressar.” Para ela, cada corpo tem seu ritmo, e o papel de quem ensina é criar espaço para que cada um encontre sua identidade na dança.
O que começou como um hobby – uma curiosidade despertada por uma amiga pouco antes da pandemia – virou parte essencial de sua vida, não apenas como atividade física, mas como caminho de autoconhecimento e conexão com outras pessoas. “Quanto mais eu compartilho o que eu sei, mais eu aprendo, todo mundo se enriquece.” A prática do pole, que começou na sala de casa como uma válvula de escape em tempos difíceis, hoje está presente em sua rotina, na forma como ela se relaciona com o próprio corpo, no modo como conduz suas relações no trabalho e até na maneira como enxerga a vida.