A história do sushiman Maiky Massaaki Kamiya, o “Massa”, de 50 anos, e do filho dele Erick Yuji Kamiya, de 20, que segue os passos do pai como a terceira geração de chefes de cozinha especialistas em pratos típicos da culinária japonesa, é como a de muitas famílias imigrantes que deixaram o Japão durante a Segunda Guerra. Morando em Cuiabá, eles relembram a tradição através da gastronomia enquanto dividem a cozinha do Ikio - Cozinha Oriental, na avenida dos Florais, em Cuiabá.
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“Estou aqui desde quando inaugurou a casa [que tinha outro nome e proprietário até 2019], em 2014. Vim de São Paulo, já trabalhava com isso lá. A família da minha esposa é daqui da região e viemos. Minha família é toda de Okinawa, uma ilha japonesa, onde tem uma base aérea norte-americana. Tem lugar que você vai, que você vai comer só cream cheese e o tradicional não tem isso”, conta Massa.
Na cozinha quente do Ikio - Cozinha Oriental, o comando dos caldos que cozinham por um dia e meio para ganharem sabor é comandada pelo chef Tiago Pereira dos Santos, de 26 anos. Como não tinha experiência com culinária japonesa, ele conta que aprendeu tudo que sabe com Massa e Yuji, incluindo as receitas de lamen e sobá que fazem sucesso principalmente nos dias de frio em Cuiabá.
Pai e filho dividem a bancada do restaurante, onde Massa prepara peças de sushi tradicionais do Japão para os clientes fiéis que costumam deixar o espaço reservado. No balcão, o sushiman também proporciona o serviço de omakase, que significa “eu confio em você”, em que as combinações são criadas por ele na hora. Na maioria das vezes, são receitas que a família trouxe de Okinawa.
Proprietário do Ikio - Cozinha Oriental, Arthur Henrique Monteiro da Costa, de 34, conta que muitos entusiastas da culinária japonesa tradicional costumam frequentar o restaurante por confiarem no repertório de Massa. “Os clientes que vêm aqui são da pegada tradicional, não é o contemporâneo que vai geleia ou o cream cheese, por exemplo. Sabemos que os que sentam no balcão, 99% vão pedir a criação tradicional, são pratos que fazem parte da história dele, de Okinawa”.
Para Arthur, pai e filho se complementam na cozinha, já que Massa ostenta a qualidade técnica descrita como impecável pelo empresário e pelo feedback dos clientes, enquanto Yuji não poupa simpatia para contar as histórias da família.
“O Yuji conta muito as histórias dos pratos da avó dele, até brinco com o pai dele, porque apesar da idade do Yuji, ele sabe muitas histórias. O Massa tem uma qualidade técnica impecável, acho que um complementa o outro: um traz a história do prato e o Massa consegue fazer a execução impecável”, elogia o proprietário do restaurante.
Thiago, Massa e Yuji, que são pai e filho, são responsáveis pelo preparo dos pratos do restaurante. (Foto: Olhar Conceito)
Aumento na saída do lámen
O empresário conta que, há um ano e meio, a procura dos clientes por pratos quentes como lámen e sobá aumentou consideravelmente no restaurante. A demanda é resultado da viralização da culinária japonesa em redes sociais como TikTok. No Ikioi, o lámen servido aos clientes faz parte da infância de Massa, que ensinou como Thiago deveria preparar o caldo e finalizar cada um dos ingredientes.
“A minha mãe me ensinou a fazer a receita e o caldo. A base é com carne suína, fazemos o caldo, comparamos com shoyu, hondashi… É um prato bem típico do Japão que agora virou moda. Minha mãe fazia em casa, minha avó também, desde que eu era pequeno. Sempre gostei de cozinhar, o Yuji também, desde pequeno, ele já faz o lamen, já são três gerações”, lembra Massa.
O sushiman explica que as receitas japonesas tradicionais são muito diferentes das releituras, principalmente quando o assunto é o caldo. Massa aprendeu que, para ficar saboroso, o caldo precisaria de três dias para ficar pronto. Por conta da demanda do restaurante ser maior e a entrega ser rápida, ele adaptou alguns procedimentos ao passar a receita para Thiago.
“Tem que ser um prato rápido, então mudamos pouca coisa. O tradicional é feito com costelinha e nós colocamos a panceta, porque a costelinha exige outro preparo. Seriam pelo menos três dias. Hoje fazemos um pouco mais rápido, mas ainda é um dia e meio de preparo do caldo”, conta o chef da cozinha quente.
Lámen feito no Ikioi é uma receita que atravessa gerações na família de Massa, sushiman do restaurante. (Foto: Olhar Conceito)
“Quando o Massa trouxe, com o Yuji, o primeiro lámen que fizemos, o Thiago deu o toque contemporâneo na montagem, mas sem fugir do tradicional. O tempero continua sendo o tradicional”, completa Arthur.
No cardápio do Ikioi, o lámen tem três variações: shoyu lámen, missô lámen e vegetariano, em que a carne de porco é substituída por shimeji. Recentemente, Yuji também levou a ideia de que a casa servisse okonomiyaki, yakimeshi e karê com as receitas que passam de geração em geração pela família japonesa.
Nos dias de frio, os pratos quentes como lámen, sobá e yakisoba se tornam as estrelas do Ikioi, conta Arthur. A produção da cozinha chega a triplicar quando comparada com dias normais de atendimento.
“O frio é muito ruim para gente, não vou mentir, porque nosso foco é o sushi bar, a comida fria, então acaba dando uma retraída. Em contrapartida, nesses dias, os pratos quentes viram destaque. Não dá de reclamar. A vantagem de se ter o frio, é que os clientes que não conhecem nossa cozinha quente, passam a cozinhar. Para cada situação que surge, existe um lado benéfico”.
Desafios em meio a pandemia
Antes de abrir o restaurante, Arthur trabalhava como distribuidor de peixes em Mato Grosso e, por isso, tinha contato frequente com muitos estabelecimentos da culinária japonesa em Cuiabá, já que os frutos do mar são um dos principais ingredientes para os pratos. Em uma das entregas, ele conheceu o antigo proprietário do Ikioi, que tinha outro nome. Na brincadeira, o empresário perguntou sobre o interesse de uma sociedade. Apenas no início de 2020, o que era despretensioso se tornou realidade, mas o novo empreendimento foi atravessado pela pandemia da covid-19.
“Não foi fácil, deu vontade de sentar e chorar”, brinca Arthur.
“Lembro que pagamos a entrada e, no dia 23 de março, fechou tudo por conta da pandemia da covid-19. Falamos: e agora? Era um restaurante que só vendia presencialmente, não tinha delivery, ficamos em uma sinuca de bico, porque aqui é uma região mais distante e só tinha um motoboy para entregas aqui na região dos Florais. Ficamos totalmente sem chão. Foi falado que ia durar uma semana, foi aquele alvoroço para todo mundo, mas de uma semana foi para duas, de duas foi para um mês”.
No primeiro mês, o empresário entendeu que o fechamento do comércio duraria mais tempo do que todos pensavam. Com seis funcionários já registrados, Arthur decidiu não demitir ninguém e viu, aos poucos, a folha do Ikioi ficar cada vez mais inchada.
Ele precisou de empréstimos para conseguir levar o momento de crise. Com a reabertura, o restaurante viveu um dos melhores momentos antes de voltar à normalidade. Para Arthur, o “boom” e a crise são cíclicos.
“Passamos uma situação muito difícil. Tem época que estamos muito bem e outras que são medianas, mas estamos felizes com a demanda e os clientes que são fieis”.