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Terça-feira, 16 de abril de 2024

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Filho de empregada doméstica se forma em Direito na UFMT e sonha em comprar casa para a mãe

Foto: Rogério Florentino/Olhar Direto

Filho de empregada doméstica se forma em Direito na UFMT e sonha em comprar casa para a mãe
“O filho da empregada nunca chegaria a fazer uma faculdade que, teoricamente, os filhos dos patrões dela almejam”. A afirmação já rondou os pensamentos do cuiabano Marco Augusto de Almeida, e foi até mesmo pensamento de sua própria mãe, por muitos anos. Recentemente, contrariando as estatísticas, ele se graduou em direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), calando os que não acreditavam nele. Agora, já empregado e membro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ele luta para comprar uma casa para sua genitora – já que foi o medo de não ter onde morar que o fez escolher a carreira jurídica.

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“Eu decidi fazer direito depois de um episódio em que eu me dei conta de que eu não tinha casa”, contou ao Olhar Conceito. “A casa onde a gente mora é cedida por uma pessoa, porém aconteceu um atrito de relacionamento à época, e ela pediu na justiça a reintegração da posse. Eu, como um garoto de 13 anos, pensei ‘meu Deus, eu não tenho onde morar...’ Não tinha para onde ir, minha mãe era - ainda é - empregada doméstica, e eu me senti lesado”.

Marco pensou que poderia fazer alguma coisa para acabar com aquele sofrimento. Queria estudar e saber mais sobre seus direitos, mas percebeu que se continuasse onde estava – uma escola estadual que não tinha nem biblioteca – jamais entraria na universidade. Decidiu se inscrever para o processo seletivo do Instituto Federal (então chamado ‘Cefet’).

Pela primeira vez, ele conseguiu e já deu um passo que para muitos de seus pares era impossível. No instituto, encontrou dificuldades para acompanhar os colegas, muitos vindos de escolas particulares, e que já tinham uma base melhor que a dele. “Eu me lembro de uma cena, que foi o primeiro momento em que eu percebi que precisava mesmo estudar. Fui falar uma palavra e coloquei o ‘R’ no lugar errado - o que é muito comum - mas ao ver a sala inteira rindo, eu pensei que tinha algo de errado.  E na minha mente não havia nada de errado na palavra. Foi somente depois, compreendendo a grafia, a palavra, que eu fui observar que sempre tinha falado errado e não tinha me dado conta, porque meu meio falava-se dessa forma, e eu sempre achei que fosse a forma adequada”.

Somente as aulas no ensino médio, no entanto, não seriam suficientes. Mais uma vez, Marco se desafiou, e bateu ‘de porta em porta’ em cursinhos pré-vestibulares, até que um deles aceitou que ele estudasse pagando apenas R$100 (a mensalidade custava R$800). E desta forma ele foi aprovado na UFMT – quando começou o desafio mais difícil.

“Chegando na faculdade, pra mim, foi o grande desafio, porque ali não tinha meio a meio. Embora tenha cotas, ainda assim existe um nível de conhecimento que exige mais do aluno. E eu me vi nesse momento “forçado”, impelido a superar essa dificuldade, que era basilar. Por exemplo, ao escrever uma petição, eu precisava saber escrever bem, da forma correta. Saber utilizar a vírgula”, exemplifica. Ele conseguiu, mas não sem ajuda. Durante toda a faculdade, não precisou trabalhar, pois era sustentado pela mãe – que ganhava um salário mínimo. Recebeu todos os livros por doações, e cortou todos os gastos ‘supérfluos’, já que havia feito um acordo consigo mesmo, de que não pediria dinheiro à mãe a menos que fosse estritamente essencial.

“Cheguei a fazer estágio na Justiça Federal, no Ministério Público Federal e na Polícia Federal. E eu lembro que quando eu fiz estágio o salário mínimo era de R$540, e meu estágio dava para o aluno R$520. E eu pensei que ganhava o mesmo que minha mãe... mas na hora a gente não entende o quanto o salário era pequeno. Foi quando eu tive maiores possibilidades de adquirir algumas coisas, como comprar o primeiro celular”, lembra.

O convite para trabalhar como assessor jurídico veio no mesmo dia da colação de grau. Agora, com salário, ele pretende financiar uma casa para a família. “Não precisamos sair da casa porque houve um arquivamento, a dona não deu continuidade ao processo. Mas a qualquer momento ela pode reabrir. E minha mãe não quer fazer o uso do instrumento jurídico que poderia dar a ela a posse definitiva... Ela não quer porque ela fala que não é dela, que ela tem que devolver. E eu respeito isso, embora juridicamente existam possibilidades. Se ela não quer, é um direito”.

Olhando para o passado, Marco tem certeza que alguns motivos o possibilitaram ‘se destacar’ e alcançar o sonho. O primeiro deles foi o apoio da mãe. O segundo, sua coragem. No entanto, para que mais jovens trilhem esta trajetória, ele acredita que seria necessário investir no terceiro setor.

“Por exemplo, o tempo que eu, durante o ensino fundamental, tinha que assistir aula embaixo da mangueira - porque não tinha como ficar dentro da sala de tanto calor - eu penso que, se houvesse alguém, alguma instituição que pudesse, por exemplo, no contra-turno, auxiliar os jovens com aulas de reforço, e, principalmente, ajudá-los a ampliar a sua visão de mundo, a observar que existe muito mais além daqueles muros da instituição, dar a eles a base do conhecimento, sem dúvidas eu imagino que poderia haver uma grande rede de auxílio a esse desenvolvimento”, afirma. “Por exemplo, a Prefeitura, o Estado, oferecem cursinhos pré-vestibulares justamente porque reconhecem que a base não conseguiu dar conta. Porque não iniciar esse processo - a longo prazo, claro - mas desde a base? Auxiliando no contra turno, dando outras possibilidades, não só de recursos financeiros, mas também de estrutura?”, questiona.

Na última quinta-feira (29), Marco participou do projeto ‘Jovens do Futuro’, da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Seciteci), e contou sua história de superação.
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