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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Cidade possível

Uma nova perspectiva de Cuiabá: conheça projetos de urbanismo que nunca saíram do papel

Foto: Ademar Poppi

Uma nova perspectiva de Cuiabá: conheça projetos de urbanismo que nunca saíram do papel
No centro de Cuiabá, em um prédio baixo de paredes de divisórias na esquina da Rua Pedro Celestino, uma cidade possível dorme dentro de gavetas. Ao descer as escadas, um grupo de arquitetos, engenheiros e economistas trabalham no Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU), para sonhar uma Cuiabá que poderia ter sido – ou que ainda tem a chance de ser.

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A ampla sala, em silêncio, contém inúmeros croquis, com textos escritos e projetos bem definidos, que aguardam no local ou na casa do arquiteto Ademar Poppi, que assina grande parte deles. Datando entre 1999 e 2004, alguns desses projetos foram apresentados para alunos de Poppi no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Cuiabá (Unic). Outros já foram “modificados” ou até chamaram a atenção da administração pública. O mais recente exemplo é a Secretaria dos 300 anos, que se interessou por alguns desses planos. 

De parques que flertam com o Rio Cuiabá e seus afluentes a transportes públicos ousados, esses projetos, que constam no Plano Diretor editado a cada 10 anos, passaram pela administração dos prefeitos Roberto França (PSDB), Wilson Santos (PSDB), Chico Galindo (PTB) e Mauro Mendes (PSB) e nunca saíram do papel. 

O IPDU é o órgão responsável pelo planejamento, estrutura e monitoramento dos projetos urbanísticos da cidade. Tamanha importância, no entanto, foi ignorada quando o órgão foi extinto em janeiro de 2011, pelo então prefeito Francisco Galindo. Ficou de fora, inclusive, dos projetos de obras da Copa do Mundo de 2014. Somente em 2015 o instituto foi reativado. Para o diretor da unidade e também arquiteto, Lauro Justino, a falta do IPDU trouxe um retrocesso para Cuiabá. “São 5 anos que prejudicaram a gente em 30”.

De volta à ativa, o órgão tem um novo desafio a cumprir com a capital. “O planejamento não é um retrato no tempo, ele é cotidiano, constante. Então se você fala em planejamento urbanístico ou gerenciamento da cidade, isso tem que acontecer cotidianamente porque a cidade é dinâmica. As pessoas crescem, têm filhos, outras pessoas vêm morar aqui. Temos que estar a todo mundo monitorando esses dados de crescimento urbanístico para a partir daí traçar novos projetos”, explica.



Ao contrário do que se acredita, Cuiabá cresceu com um planejamento. De acordo com os arquitetos, na fundação da capital mato-grossense, foi adotada a morfologia urbana portuguesa, que costumava acompanhar a topografia do terreno, com seus aclives e declives, bem como a dinâmica das pessoas e suas caminhadas. O conceito ortogonal, dos espanhóis, seriam quadras e vias retas.

“Existe a ideia de que o traçado tortuoso é sinônimo de não planejamento, e é uma interpretação equivocada. [...] esse estilo de acompanhar a topografia, de dar mais liberdade ao movimento das pessoas, em que elas transitam naturalmente pelo caminho mais fácil, que é uma topografia de mesma altimetria, isso torna as ruas um pouco tortuosas. É um conceito português, de implantação de cidade”, explica Lauro.

Após concordar com o colega, Poppi acrescenta apontando para construções como a Igreja da Matriz e São Benedito. “Os portugueses não se preocupavam muito com o traçado da cidade, mais com as edificações. Então construíam uma igreja, um tesouro ali... E essa cidade ia naturalmente se acomodando, ao contrário dos espanhóis, que se a gente ver o centro de Buenos Aires e Montevideo, essas cidades são quadriculadas”.

Em evidente crescimento, Cuiabá enfrenta muitos problemas. Mesmo sendo o ponto mais equidistante do mar da América do Sul, um “tsunami” se forma cada vez que chove, principalmente na Avenida Fernando Corrêa, na “rotatória da UFMT”. O planejamento urbano vem para tentar conter problemas e crescimento desordenada, mas nem tudo sai como planejado - afinal, um sonho não se sonha só.

“Temos que considerar que Cuiabá não tem uma arrecadação forte, com indústrias e recursos que vem do petróleo, por exemplo. Não temos isso. Nossos recursos para ajustar a cidade são bem escassos, nossos projetos, que são muitos, às vezes não tem recursos. Nem todas as obras são de resultados imediatos. Essas idéias para conter alagamentos, vão surtir efeito em 10, 15 e 20 anos”, calcula.

Com quase 20 anos, alguns desses planejamentos, se tivessem saído dos croquis e materializados no plano real, já estariam prontos hoje em dia. Como seria Cuiabá se projetos de urbanismo tivessem saído do papel? Confira algumas das 30 obras de Ademar Poppi, paulista que fincou raízes em Cuiabá:

1. Espaços públicos flutuantes
 
Este croqui contempla a interação da população com o rio Cuiabá e propõe o uso de novos meios de transportes. Imaginar passeios de jet ski e barcos pelo rio, que tem extensão de 28 km entre Cuiabá e Várzea Grande, ainda mais levando em consideração o estado das águas, pode parecer utópico. Mas ele já está todo planejado.

Em algumas áreas, o acesso à beira do rio é difícil. Os espaços públicos flutuantes facilitariam esse processo, além de incentivar um sistema de transporte público fluvial, com barcos para transporte - um exemplo seria o funcionamento das barcas entre Rio de Janeiro e Niterói -integrando visitas até mesmo as comunidades ribeirinhas.

Além de transporte público, o projeto, de parceria público-privada, contaria com um espaço destinados a restaurantes e aluguéis de barcos e jet ski, movimentando turismo e lazer. "O rio vai serpenteando a cidade. Então você tem poucos acessos e se pergunta: 'como será que eu posso ir até lá?'. Com essa ideia, seria criado espaços para atracar barcos, jet ski... Você pode ter um quiosque, um restaurante, um baguncinha...", conta Poppi.

Plataformas flutuantes em piso de madeira sobre tambores de plásticos, a estrutura respeita o regime de águas que o rio Cuiabá sofre durante a época de chuva e seca, variando entre níveis de 7 a 8 metros. O espaço ficaria disposto próximo à ponte Sergio Motta, vista para um dos cartões postais da capital.

2. Morro da Luz e caminhos das igrejas
 



Muitos cuiabanos não conhecem o Morro da Luz, região à deriva do descaso público. O local na realidade é um parque, com uma vasta área verde no centro da cidade. A temperatura média no Morro da Luz é 3 a 4 graus menor do que no "centrão". A inclinação elevada, com 115 degraus, também dificulta na integração com o centro histórico.

Um plano que Poppi projetou em 2005 incluíria o Morro da Luz no dia a dia da população e na programação de turistas por meio de passarelas, que levariam ainda às principais igrejas do centro histórico. Igreja Nossa Senhora do Rosário e Capela São Benedito, Igreja Nossa Senhora do Bom Despacho, Igreja Nosso Senhor dos Passos e a Mesquita de Cuiabá passariam a fazer parte de um turismo religioso ecumênico.

A inspiração veio da Catedral Basílica de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo. A igreja possui uma longa passarela, denominada "passarela da fé". "A ideia é ligar as igrejas, que são as joias raras que temos da arquitetura, que são edifícios tombados isoladamente. Fora isso, existe o tombamento do centro histórico, que não se pode mexer e vem se degradando. Ao criar esse caminho, você faz um turismo religioso. E você vem ainda por cima do Morro", detalha o arquiteto.

A pé ou de bicicleta, as passarelas levam a diferentes tipos arquitetônicos, do barroco da São Benedito, o gótico do Bom Despacho até a arquitetura islâmica da Mesquita. Inclusive, auxiliam a população mais idosa e pessoas com deficiências, pois tem rampas. "Você pode gerar um tipo de turismo que Cuiabá não tem hoje. Por exemplo, em cidades como Minas Gerais, existem passeios turísticos das igrejas, e nós temos igrejas antigas que também mereciam um passeio. E com esse trânsito meio pesado do centro, você precisa de segurança e tranquilidade pro visitante e até pro morador", completa Lauro.

3. Parque linear e ciclovia Mané Pinto
 



Dos 24 córregos que deságuam no Rio Cóxipó e Cuiabá estão na eminência de virar simplesmente esgoto. Em 80% já não há mais vida. A água secou, a mata ciliar desapareceu e muitos foram aterrados para garantir espaços para novas construções. Este retrato faz parte de uma pesquisa realizada por geólogos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em conjunto com o Instituto de Pesquisa Mato-grossense (IPEM).

O córrego Mané Pinto tem de 3.3 km de extensão. Nascendo no Bairro Popular, o córrego percorre cerca de 10 bairros, como o Goiabeiras, Jardim Cuiabá e passando por todo o Porto. Somente em três deles, o Coesa, Jardim Independência e José Pinto é que há rede coletora de esgoto.

A proposta aqui, de acordo com Poppi, é criar um parque linear de 6 km e uma ciclovia. Cerca de 15 mil pessoas moram nesta região, e poderiam praticar esporte, lazer e ainda contribuir com o meio ambiente, quando o córrego for despoluído. 
A referência para este projeto foi um riacho urbanizado em Seul, na Coréia do Sul, chamado Cheonggyecheon. O parque linear integra ainda com os espaços públicos flutuantes.

4. Torre dos 300 anos
 


Sem dúvidas, este é o projeto mais ousado. Ele foi até mesmo considerado pelo prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), que o incluiu na lista de obras para os 300 anos de Cuiabá e foi anunciado ano passado por ele, causando estranheza pela população.

Anteriormente planejada para ter 100 metros, Poppi quer aumentar a torre para 180 metros. "Como ela é um mirante, vimos que tem uma torre da Vivo ali próxima que tem 140 metros, e queremos fazer algo mais alto...", e ri.

No topo, o mirante. No andar logo abaixo, um restaurante que gira em 360º. Para nós, uma novidade surreal, mas para a América do Sul, já existe um no Chile e Argentina. A parte debaixo seria as cozinhas e no piso intermediário, uma praça de alimentação, chamada por Poppi de "food tower". 

5. BRT
 

Imensas suturas expostas nas avenidas de Cuiabá, causadas pelas obras inacabadas do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), árvores derrubadas, canteiros  destruídos e a Ilha da Banana desmoronada, deslocando inúmeros moradores de rua que permanecem à mercê da gentrificação. A ideia do VLT foi outra hora, um projeto humilde de Bus Rapid Transit (BRT).

Idealizado em 2003, o sistema de integração de transporte coletivo foi estimado em R$ 530 milhões na época. A partir de 2011, com a capital definida como sede da Copa do Mundo, o governo, sob pressão de deputados estaduais, mudou o projeto para o VLT, com valor inicial de R$ 1,2 bilhão: cerca de R$ 700 milhões a mais que o BRT.

O plano era de que o transporte fizesse dois eixos: Várzea Grande e Cuiabá, pela Prainha e Avenida da FEB, e Avenida Fernando Corrêa até o Coxipó. O projeto em si, pouco mexeria na estrutura da cidade, em comparação com o VLT.
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