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Colunas

Bora já pra casa da Esperança

Marinaldo Custódio

Há poucos dias me contaram que Nina Ricci, diante do primeiro exemplar (o da prova) do seu livro Casa Coração, belamente ilustrado por Daniela Monteiro, até chorou de emoção.
 
E nem é para menos. A começar pela edição caprichada da Entrelinhas, com o toque de Maike Vanni, Maria Teresa e Ricardo, o pequeno e singular volume, de 40 páginas, está mesmo lindo de viver. Uma preciosidade, um sopro de beleza e luminosidade ainda tornado mais impactante por brotar, feito a flor do asfalto de Drummond, em tempos tão ásperos, de indelicadezas mil (para dizer assim, com eufemismo) deste Brasil dos dias que correm.
 


Li, e vi, o pré-livro, o boneco da edição obviamente em uma brochura econômica, em preto e branco, descolorido, portanto. Mas dá para imaginar o impacto de vê-lo (e, ainda mais, se é uma de suas autoras vendo-o e apreciando-o à luz do sol) então fresquinho, todo colorido em suas nuances e sugestões, e bem-acabado, recém-saído do forno tipográfico, ainda cheirando, com intensidade, a papel e tinta – sem dúvida, um dos cheiros mais inebriantes e prazerosos que conheço. Dizem que a autora teria dito, então, que o que mais a impressionou, a ponto de a levar às lágrimas, foi o estonteante e ao mesmo tempo etéreo colorido a se desprender das páginas, como se verdadeiramente vivas fossem. Tão delicadas e frágeis essas figuras, essas gentes e outros animais e coisas em seus ambientes, nos traços sempre graciosos de Daniela, até de fato ganham vida, pulsam, respiram, transpiram emoções, lutas, vitórias e derrotas, coisas dessas, assim, de cotidiano e existência, que perpassam a vida de qualquer um nesta nossa caminhada sobre a Terra.
 
Agora, então, o ponto, a história propriamente dita, a revelação (as revelações) que a jovem escritora traz pra gente.

Embora não se possa aqui dizer muito, diante do risco de oferecer à leitora, ao leitor, um spoiler, a esta altura, inoportuno da história, é necessário dizer que tudo parte da descoberta, forçada pelas circunstâncias, de uma ‘chave’, e mais curiosamente ainda: da perda da tal chave... e descoberta da fechadura que então se abre.
 
A protagonista, uma menina em idade escolar, parece ser dessas que “vê coisas”. E vê cada uma!... Até, vejam bem: até mesmo famílias comuns em situações igualmente comuns, como o ato de passar o café ou cortar a baguete e distribuir a cada integrante da casa conforme seu apetite e vontade!
 
Mais, não digo. Só digo que ainda tem um chaveiro com sua esposa e filhos; uma senhora com sua inseparável cadela, Duquesa; uma dona de casa dessas de casa cheia e, obviamente, bocas famintas a alimentar.
 
Lá fora, no mundo, grassa uma estranha doença que mantém todos confinados em suas casas, sem o direito de ver e tocar e abraçar os outros. Nessas horas quem fala mais alto, e mais forte, é, mesmo, o Senhor Silêncio, secundado pelo Senhor Vazio e, pairando sobre todos e a todos dominando, o Senhor Sistema.
 


No entanto, a vida pulsa em cada canto, na cidade, nos campos, no rio da imaginação que leva nossa protagonista até uma oca. De uma aldeia Bororo!
 
De surpresa em surpresa, Nina Ricci leva a aventura numa boa, com reveladora segurança para quem, ao que me consta, faz sua estreia em livro (dizem que Daniela também é – pasmem! – estreante nessa modalidade de publicação). Não cai em ciladas fáceis que se lhe apresentam, evita insistir numa perspectiva de narração e logo, fugaz e matreira, pula pra outra, e outra.
 
Então, a gente fica aqui matutando tal qual a menina ao receber o maior presente da vida, das mãos da velha Esperanza: “Aiaiai para onde vai meu coração?”. É mesmo de se perguntar, com suspense e esperança: para onde vai, até onde pode ir a literatura de Nina Ricci?
 
MARINALDO CUSTÓDIO, mestre pela Universidade Federal Fluminense, é escritor.
e-mail: mcmarinaldo@hotmail.com
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