Olhar Conceito

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Colunas

Friedrich Schiller: um aspecto de sua ,,Maria Stuart"

Stéfanie Medeiros/ Olhar Conceito

[Antes de começar a coluna de hoje, vou repetir o aviso dado na coluna anterior (e farei isso por mais algumas semanas); a saber: “Acho interessante esclarecer algo que já me parecia claro, mas que talvez ainda não esteja: este texto (ou os anteriores, ou os próximos), este texto não é uma análise propriamente dita – lhe falta profundidade de análise, profundidade essa que nem é meu objetivo desenvolver aqui nem me caberia alcançar num texto de jornal. Este texto é uma conversa com o leitor. Apenas isso. Somos o leitor e eu sentados conversando sobre estes artistas. Aviso feito, vamos à conversa de hoje.]

[Segundo aviso: aproveito o fato de morar na Alemanha para falar hoje e nas próximas semanas sobre autores de língua alemã e/ou autores brasileiros que tiveram alguma relação com a literatura em língua alemã. Ao final do intercâmbio voltarei à nossa literatura em língua portuguesa.]


Friedrich Schiller (1759-1805) está entre os maiores poetas da língua alemã – e de qualquer outra língua. Semana passada escrevi um texto sobre sua peça ,,Maria Stuart”, grande monumento artístico e exemplo de obra de arte impecável (no sentido mesmo da palavra: “im.pe.cá.vel, adj (lat impeccabile) 1 Não sujeito a pecar. 2 Imaculável. 3 Sem defeito. 4 Irrepreensível.” [aqui, em definição do dicionário Michaelis]).

É importante refletir sobre a palavra “impecável”. Esse adjetivo não é sempre visto com bons olhos na teoria literária, e muitos artistas buscam afastar-se do conceito que essa palavra traz consigo. O próprio Schiller, quando jovem e engajado no movimento ,,Sturm und Drang”, provavelmente detestaria que qualificassem sua obra como “impecável”. O Schiller maduro, no entanto, não só buscava a obra de arte “impecável” como a realizou (mais de uma vez, diga-se de passagem!).

“Impecável”, no entanto, não significa monótono ou monolítico. Na peça ,,Maria Stuart”, por exemplo, Schiller muitas vezes abre mão da unidade do metro: Schiller aumenta ou diminui versos que deveriam ser decassílabos; rima versos que deveriam ser brancos (“deveriam”, digo aqui, pois quase toda a peça segue o esquema de versos de dez sílabas não rimadas – e, para Schiller, unidade significa beleza; significa perfeição.)

Antes de continuar este texto falando sobre as vezes em que Schiller quebrou suas próprias regras, vou reproduzir aqui o trecho da coluna da semana passada que explicava qual é o metro de ,,Maria Stuart”:

“(...) a obra ,,Maria Stuart” (1800) de Schiller é uma peça teatral em cinco atos escrita em 4033 versos quase que inteiramente em pentâmetros iâmbicos não rimados, ora em cadência masculina, ora em cadência feminina.

Isso quer dizer que a) a peça é escrita em versos, b) esses versos têm dez sílabas poéticas, c) depois de uma sílaba poética átona vem sempre uma sílaba tônica, formando assim um verso de sílabas fraca-FORTE-fraca-FORTE-fraca-FORTE-fraca-FORTE-fraca-FORTE, d) às vezes a última sílaba do verso é tônica, às vezes não, e) os versos não são rimados (com algumas exceções).”

Como já mencionado no início desta coluna, o próprio poeta quebrou suas regras algumas vezes – mas o fez para o melhoramento daquele trecho específico que, se seguisse o metro dominante, não alcançaria a força que alcançou “quebrando as regras”.

No terceiro ato, sexta cena, por exemplo, dá-se um fenômeno muito interessante: num diálogo entre Maria e Mortimer (que, por amor a Maria e conversão à fé católica, torna-se espião de Maria na corte de Elisabeth), Mortimer fala pela primeira vez à rainha que a ama (como mulher!). Maria se afasta com repulsa e medo, temendo que Mortiner tente algo à força. A cena termina com Maria e sua criada correndo para longe de Mortimer.

A escalada de emoções dos personagens neste trecho corresponde à escalada de lirismo nos versos da peça, assim como à profusão de rimas no final dos versos e no meio deles – como uma brasa que aos poucos se torna fogueira, seu fogo sendo sua força poética.

Mais uma vez preciso pedir desculpas aos leitores que não leem alemão, mas não encontrei na internet traduções da peça para o português. Continuo recomendando a tradução que Manuel Bandeira fez (não sei se o livro é ainda vendido, mas espero que seja). Sendo assim, preciso reproduzir aqui o original alemão:

“MORTIMER (mit irren Blicken und im Ausdruck des stillen Wahnsinns).

Das Leben ist

Nur ein Moment, der Tod ist auch nur einer!

– Man schleife mich nach Tyburn, Glied für Glied

Zerreiße man mit glühnder Eisenzange,

(indem er heftig auf sie zugeht, mit ausgebreiteten Armen)

Wenn ich dich, Heißgeliebte, umfange –

MARIA (zurücktretend).

Unsinniger, zurück –

MORTIMER

An dieser Brust,

Auf diesem Liebe atmenden Munde –

MARIA

Um Gottes willen, Sir! Laßt mich hineingehn!

MORTIMER

Der ist ein Rasender, der nicht das Glück

Festhält in unauflöslicher Umarmung,

Wenn es ein Gott in seine Hand gegeben.

Ich will dich retten, kost' es tausend Leben,

Ich rette dich, ich will es – doch so wahr

Gott lebt! ich schwör's, ich will dich auch besitzen.

MARIA

O will kein Gott, kein Engel mich beschützen!

Furchtbares Schicksal! Grimmig schleuderst du

Von einem Schrecknis mich dem andern zu.

Bin ich geboren, nur die Wut zu wecken?

Verschwört sich Haß und Liebe, mich zu schrecken?

MORTIMER

Ja, glühend, wie sie hassen, lieb ich dich!

Sie wollen dich enthaupten, diesen Hals,

Den blendend weißen, mit dem Beil durchschneiden.

O weihe du dem Lebensgott der Freuden,

Was du dem Hasse blutig opfern mußt.

Mit diesen Reizen, die nicht dein mehr sind,

Beselige den glücklichen Geliebten.

Die schöne Locke, dieses seidne Haar,

Verfallen schon den finstern Todesmächten,

Gebrauch's, den Sklaven ewig zu umflechten!

MARIA

O welche Sprache muß ich hören! Sir!

Mein Unglück sollt' Euch heilig sein, mein Leiden,

Wenn es mein königliches Haupt nicht ist.

MORTIMER

Die Krone ist von deinem Haupt gefallen,

Du hast nichts mehr von ird'scher Majestät –

Versuch es, laß dein Herrscherwort erschallen,

Ob dir ein Freund, ein Retter aufersteht.

Nichts blieb dir als die rührende Gestalt,

Der hohen Schönheit göttliche Gewalt,

Die läßt mich alles wagen und vermögen,

Die treibt dem Beil des Henkers mich entgegen –

MARIA

O wer errettet mich von seiner Wut!

MORTIMER

Verwegner Dienst belohnt sich auch verwegen!

Warum verspritzt der Tapfere sein Blut?

Ist Leben doch des Lebens höchstes Gut!

Ein Rasender, der es umsonst verschleudert!

Erst will ich ruhn an seiner wärmsten Brust –

(Er preßt sie heftig an sich.)

MARIA

O muß ich Hilfe rufen gegen den Mann,

Der mein Erretter –

MORTIMER

Du bist nicht gefühllos,

Nicht kalter Strenge klagt die Welt dich an,

Dich kann die heiße Liebesbitte rühren:

Du hast den Sänger Rizzio beglückt,

Und jener Bothwell durfte dich entführen.

MARIA

Vermessener!

MORTIMER

Er war nur dein Tyrann!

Du zittertest vor ihm, da du ihn liebtest!

Wenn nur der Schrecken dich gewinnen kann,

Beim Gott der Hölle! –

MARIA

Laßt mich! Raset Ihr?

MORTIMER

Erzittern sollst du auch vor mir!

KENNEDY (hereinstürzend).

Man naht. Man kommt. Bewaffnet Volk erfüllt

Den ganzen Garten.

MORTIMER (auffahrend und zum Degen greifend).

Ich beschütze dich.

MARIA

O Hanna! Rette mich aus seinen Händen!

Wo find ich Ärmste einen Zufluchtsort?

Zu welchem Heiligen soll ich mich wenden?

Hier ist Gewalt, und drinnen ist der Mord.

(Sie flieht dem Hause zu, Kennedy folgt.)”

*A coluna Rubrica, publicada todas as segundas no Olhar Conceito, é assinada por Matheus Jacob Barreto. Matheus nasceu na cidade de Cuiabá/MT. Foi um dos vencedores das competições nacionais “III Prêmio Literário Canon de Poesia 2010” e “III Prêmio Literário de Poesia Portal Amigos do Livro de 2013”. Teve seus poemas vencedores publicados em antologias dos respectivos prêmios. Em outubro de 2012 participou da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Estuda na Universidade de São Paulo e mora na capital paulista. Escreveu o livro “É” (Editora Scortecci, 2013).


Comentários no Facebook

Sitevip Internet