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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Colunas

Ao redor do som

Continuando no mesmo ritmo da coluna da semana passada, hoje comentaremos outro filme que tem no áudio um elemento de importância singular para a recepção, tanto no que se refere ao sentido das inserções e do tratamento do áudio, quanto na ambientação que este proporciona. Em tempos em que os filmes apostam cada vez mais no barulho, utilizando aportes publicitários comuns aos videoclips, O som ao redor soa discrepante e ousado, tecendo com zelo quase religioso a linha tênue do necessário.

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Assim como Truffout que escrevia e, posteriormente, realizava seus filmes, o pernambucano Kleber Mendonça Filho anda sobre os mesmos trilhos. Já reconhecido como crítico de vários veículos distintos, Kleber lançou o documentário Crítico (2008) e no início de 2013, seu primeiro longa de ficção O som ao redor. Com a proposta clara de detalhar e trabalhar o som em autonomia das demais atividades, ele cria para si uma nova possibilidade narrativa, o que é evidenciado pela sua assinatura do desenho de som junto ao Pablo Lamar. A iniciativa, dentre outras virtudes, permite uma certa irresponsabilidade narrativa da fotografia e direção de arte, que contribuí, e muito, para a construção autoral.

Não veremos aqui nem o silêncio das últimas obras de Haneke, nem as parcerias melodiosas estranhamente bem-sucedidas como de David Lynch e Angelo Badalamenti, ou de Alejandro Iñárrito e Gustavo Santaolalla. As sequências iniciais podem induzir o público a esperar uma linguagem de documentário, linguagem que logo acaba tomando forma através da fotografia e arte realistas, que lembram de longe o neo-realismo italiano, influencia contundente o Cinema Novo.



A história apresenta a rotina de uma rua num bairro de classe média, na cidade de Recife, possivelmente, próximo à praia. Os conflitos iniciais estão relacionados ao problema social da violência, um chamariz para a chegada suspeita e oportuna de uma grupo de segurança particular, logo identificamos como uma milícia. Liderados por Clodoaldo (Irandhir Santos, “Viajo porque preciso, volto porque te amo” e “Tropa de Elite 2”), os milicianos ganham a confiança dos moradores. O que poderia ser simplesmente, como num clichê de blockbuster americano, na chegada de um desconhecido no lugar, fica verosímil e pertinente diante dos motivos nada ocultos.

Os moradores parecem ser todos portadores de segredos e medos, e por vezes, medos de que os segredos sejam desnudados. E é aí que uma personagem chama a atenção. Ela é Bia (Maeva Jinkings), uma mãe de família que aspira com aspirador de pó a fumaça produzida pela maconha que fuma no trancafiada no quarto, masturba-se com a lavadora ligada para abafar seus gemidos e volta e meia “sai no tapa” com a irmã vizinha. No entanto, nada incomoda mais a dona de casa que o cachorro do vizinho, que late principalmente nas madrugadas. Após drogar o cão, ela arruma um aparelho eletrônico que emite frequências sonoras agudas que torturam o seu algoz animal.

Mais uma vez temos aqui uma classe média exposta ao ridículo, como a burguesia em O Anjo Exterminador (1962) de Buñuel. A ridicularização se dá pelo medo – e temos aqui um medo distinto dos filmes de terror que propõem de alguma forma experiências aterradoras durante as seções – o medo é visto de maneira mais confortável, o que não faz deste filme uma atividade se comparada a outros filmes dispostos a entreter, como boa parte dos filmes do gênero terror.
 
É preciso um pouco de paciência para quem está acostumado a estas produções. Paciência que é, logicamente, recompensada por este que é, até então, a produção nacional mais interessante de 2013. Isso porque, O som ao redor agrada e, mesmo sem muito barulho, consegue agredir. As situações que serão exibidas nos derredores dos sons fazem deste filme, uma obra para ser vista com olhos e principalmente ouvidos bem abertos.


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