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Terça-feira, 23 de abril de 2024

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VINTE ANOS DEPOIS

Sem patrocínio, jornalista busca auxílio para publicar livro-reportagem sobre a chacina do Beco do Candeeiro

Foto: Rogério Florentino/Olhar Direto

Sem patrocínio, jornalista busca auxílio para publicar livro-reportagem sobre a chacina do Beco do Candeeiro
Quando decidiu, há cerca de cinco anos, que queria escrever um livro sobre a chacina do Beco do Candeeiro – que vitimou Edgar Rodrigues de Arruda, 12 anos, Adileu Santos, 13 anos, e Reinaldo Dias Magalhães, 16 anos, em 10 de julho de 1998 – o jornalista cuiabano Johnny Marcus, hoje com 50, achava que seria fácil encontrar formas de patrocínio. Ledo engano. Com 95% do trabalho pronto, feito com doações e, em sua maior parte, ‘aos trancos e barrancos’ do próprio bolso, ele conta que encontrou muitas portas fechadas, e ainda não sabe se será possível publicar a obra impressa. A falta de interesse pelo tema assusta, mas é compreensível. “O resultado desse apanhado que eu faço mostra muita inépcia - eu quero usar esse eufemismo pra não dizer incompetência - do Ministério Público na resolução desse caso”, lamenta.

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 Edgar, Adileu e Reinaldo foram assassinados a tiros em 10 de julho de 1998. Até hoje, o crime não foi solucionado. Um policial militar chegou a ser julgado em 2014, mas foi inocentado após júri popular. Para Johnny, a principal necessidade era trazer o caso à tona de forma a humanizar as vítimas. “Eu quero contar a história desses meninos porque é uma tragédia. Eu não quero resolver o caso, eu só quero que essa situação seja melhor compreendida, essa chacina seja melhor compreendida, para que outras chacinas não precisem acontecer. E para que o poder público esteja mais preocupado, mais atento ao seu papel social”, explica.

A vontade de ir mais à fundo no tema veio também por questões espirituais, como que um chamado para cumprir uma missão enquanto jornalista. Com a ideia na cabeça, ele foi atrás dos autos do processo, no Fórum, e, com ajuda do jornalista Ademar Adams, teve acesso aos cinco volumes, o que somava mais de mil páginas. “Eu li tudo isso, fiz um apanhado, fiz muito registro, muita pesquisa, e fui fazendo uma organização, uma sistematização para ver onde estavam os pontos vazios dessa narrativa. E depois, obviamente, com tudo isso pronto, eu fui atrás das mães”, lembra.

Imagens após a chacina (Reprodução)

O jornalista conversou com as três mães muitas vezes, mas não só com elas. Falou também com as poucas autoridades que se dispuseram a conversar, com o suspeito que foi absolvido, e com amigos e outros familiares das vítimas. Tudo para tentar remontar o que aconteceu naquela noite – o que não foi fácil. “Eu já ouvi pelo menos umas cinco versões diferentes sobre esse crime. E eu costumo dizer pra todas as pessoas que me perguntam: a única certeza que se tem é que três meninos foram assassinados”.

Existe uma tese, no entanto, que convence mais ao jornalista. “O que mais sinaliza é que em 98 havia um caos na segurança pública em Mato Grosso. A coisa estava muito caótica. Então haveria - e isso quem defende é uma ex-presidente da comissão de direitos humanos da OAB - de fato uma política de eugenia, de limpeza étnica dentro do centro da cidade. Esses meninos teriam sido vitimas desse processo. E, em tese, haveria uma espécie de uma rede de proteção que jamais deixaria chegar aos verdadeiros culpados”.

Johnny Marcus (Foto: Olhar Conceito)

O que leva Johnny a optar por esta versão é uma série de fatores caóticos, sucessão de fatos que podem ser vistos ingenuamente como erros, mas que também conseguem colocar uma ‘pulga atrás da orelha’ de quem investiga, como ele. Um destes fatos é o ‘desaparecimento’ da quarta vítima:

“No dia da noite do crime, eram três meninos, de apelidos Baby, Nado e Indinho, e havia um quarto menino, o Verminose, Edilson. Esse quarto menino escapou. Ele saiu correndo até a Igreja da Matriz, às 20h, onde estava tendo um casamento, e o segurança o colocou pra fora da igreja”, conta o jornalista. “Ele estava andando na Praça da República e viu um policial civil que ele conhecia, contou o que tinha acontecido. O policial civil o levou de volta para o Bedo do Candeeiro - onde já havia uma guarnição da Polícia Militar lavrando o Boletim De Ocorrência - e deixou o Verminose sob a responsabilidade desse PM. Mas se você pega o BO, simplesmente não aparece o nome do Verminose. E pior ainda, está escrito no depoimento desse primeiro policial, que levou o Verminose lá, que o outro policial o liberou. Ou seja, acabou de haver um triplo homicídio qualificado, temos uma testemunha, e ele simplesmente é liberado, o nome dele nem consta no BO”.

Infelizmente, o ‘Verminose’ não foi encontrado pelo jornalista para uma entrevista. Johnny conseguiu somente conversar com um rapaz que se disse primo dele, e que afirmou que a vítima estaria foragida da Polícia. Uma fonte do jornalista confirmou que haveria um mandado de prisão em aberto contra o potencial entrevistado, e a situação inviabilizou a conversa.

Outro fato intrigou o escritor: o desaparecimento dos cartuchos das balas usadas no homicídio. “Na cena do crime foram recolhidos quatro cartuchos da pistola 765”, explica. “Esses cartuchos foram encaminhados para o Fórum da capital, e requisitados para que fosse feita uma perícia para verificar se teriam saído da pistola do Cabo Hércules, que era um matador profissional que trabalhava para o Arcanjo, e que apareceu na história como sendo o único suspeito. Esta pistola tinha sido utilizada em outro crime, e foi apreendida por um delegado. Em tese, havia a arma do crime, só faltava fazer o cruzamento da balística. Pra tornar curta uma história longa: após dois anos de trocas de ofício entre as investigações e o Fórum, e no final das contas constataram que os cartuchos haviam sido perdidos”.

Todos estes meandros da história constam nas cerca de 150 páginas de “Beco sem saída: A chacina do Beco do Candeeiro vinte anos depois”. Segundo Johnny, o livro mescla a linguagem técnica jurídica com o enredo jornalístico e, algumas vezes, literário. “Eu tento ser o mais didático possível”, garante. Autor de alguns romances não publicados, ele deseja que esta obra seja a primeira de uma série de livros-reportagem de sua carreira.

Beco do Candeeiro hoje (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Para além do apreço por contar histórias, e a necessidade que via de humanizar os personagens, Johnny acredita que, quando publicado, o livro possa causar algum furor e - quem sabe, até mesmo reabrir o caso, que foi fechado depois da absolvição do único suspeito - já que, em uma de suas entrevistas, um dos freqüentadores do Beco lhe confirmou que um suspeito havia ido ao local no dia anterior, e ameaçado que voltaria no dia seguinte para matá-los. Ele não voltou, mas Edgar, Adileu e Reinaldo, sim.

No entanto, talvez seja muita esperança. “É como a mãe de um deles disse pra mim: ninguém está preocupado com um menino negro que foi assassinado na rua. A justiça não existe pra nós. Eram só três meninos de rua”, lamenta.

Serviço

O livro está em pré-venda pelo FACEBOOK, mas ainda não possui editora ou data para publicação, por falta de recursos. Em último caso, será lançado primeiramente online, na Página do E, em capítulos.

Quem quiser ajudar de alguma forma pode entrar em contato com Johnny pelo (65) 98404-8047.
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