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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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rei da medicina

Há mais de 30 anos na Prainha, raizeiro guarda a arte da medicina tradicional

Foto: Rogério Florentino Pereira/Olhar Direto/Reprodução

Há mais de 30 anos na Prainha, raizeiro guarda a arte da medicina tradicional
No coração da Prainha é onde se guarda a cura de todos os males do mundo. Em uma barraquinha verde, na Avenida Tenente Coronel Duarte, Claudemiro Néris, de 88 anos, se consagrou o ‘Rei da Medicina’ ao vender raízes e remédios naturais. “Curo tudo. Do mundo se cura tudo, e eu curo o mundo inteiro”, decreta o rei.


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Baiano de nascença, mas cuiabano “pé-rachado” há mais de 60 anos, seo Néris protegia a cabeça do sol a pino da capital com um chapéu da Paraíba. Sempre de branco, tal qual um “doutô”, o raizeiro tem mais de 3 mil ervas, seja na sua casa ou na barraquinha. E com elas, garante remediar todas as enfermidades. “Minha filha, se eu for curar, eu curo todas elas, entendeu? Não nasce mais um homem igual ‘a eu’”.
 

Tudo que ele tem, foi a natureza quem deu. Foi assim que ele aprendeu a profissão com o pai, aos 7 anos, ainda na Bahia, diretamente do mato de Angical. Filho de ex-escravo, ele conta que é da árvore genealógica que vem a sabedoria. “Eu sou filho de ex-escravo, ferrado com ferro de boi, duas letras do patrão. Não tinha ‘doutô’, então os escravos arrancavam a ‘carobinha’, que limpa a pele da pessoa, faz gente velha ficar nova e o rosto limpa tudo”, diz o homem quase nonagenário e com a pele pouco envelhecida.

Seu pai chegou a cuidar de pessoas de cinco cidades do interior. E ele não padeceu nenhuma vez, morreu com 133 anos. “Não adoeceu nem de dor de barriga, acredita nisso? Eu desse tamaninho acompanhava ele. Fazia carregar saco de remédio nas costas junto com ele. Eu com um saquinho pequeno, chei de raiz, de remédio dos campos lá da Bahia, e ele vinha com um sacão enorme de grande que não sei como que ele agüentava em cima da montanha”.

Aos 19 anos, Néris deixou as serras da Bahia para explorar o mundo, até chegar aos remédios naturais do cerrado mato-grossense, ainda quando Cuiabá não era nem Cuiabá, como ele descreve. No início, trabalhou como carpinteiro, a única profissão que exerceu antes de se firmar como raizeiro, e aponta com as mãos já enrugadas os prédios que ajudou a construir no Centro.

No mesmo ponto há mais de 30 anos, ao redor do monumento em homenagem à Maria Taquara, ele acompanhou o processo de expansão da capital. Enquanto prepara uma ‘garrafada’ para um cliente, ele relembra a Cuiabá do final da década de 50.
 

“Cheguei a ver cheio de peixinho ai. A gente passava pela ‘pinguela’, uma tábua por cima do córrego. Aqui não passava carro nenhum, depois o ônibus passava lá em cima, no correio. Ai eles tamparam o ‘corguinho’, que era cheio de peixe e eles morreram tudo”, diz Neris, quando a cidade tinha só quatro ruas e o resto era tudo ‘mato’.

A posologia e a receita é passada oralmente, assim como o conhecimento das plantas que não se anota em lugar algum – só de pai pra filho. Na garrafa de vinho, ele explica para o cliente, que tem diabetes, os benefícios da batata yacon, o remédio mais amargo de todos. Ele até dá um pedaço pra repórter experimentar, que está com o amargor até agora na boca.

A batata ele guarda no bolso, escondido da filha, que também trabalha na barraquinha. O motivo é que a especiaria não está na época de brotar no cerrado, por isso é rara – e a menina acaba vendendo baratinho pros clientes.

“Faz do jeito que eu falei: põe na água morna, deixa esfriar e bebe, porque você é um rapaz novo, não quero que fale que não expliquei nada. Tem gente que quer sarar e têm outros que querem morrer. Eu não, estou com 88 e quero alcançar os 100”, orienta ao homem. Aliás, a faixa etária dos seus clientes varia de um grupo de pessoas de 30 anos até os mais velhos.

Barbatimão para o útero. Guaco para a tosse. Nó de cachorro para revigorar. São muitas as especiarias, e Néris sabe diferenciar todas elas. Mas a que ele garante ser mais eficaz é sangra d’água, um ótimo cicatrizante. No momento que você passa na pele, o líquido é absorvido. “O que o pessoal mais compra é a sangra d’água, porque é um remédio que não deixa ninguém morrer. Ela sara tudo as doenças rápido”.
 
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