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Quinta-feira, 18 de abril de 2024

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Do ápice ao fundo do poço, Sayonara foi ponto de encontro de políticos e trouxe grandes nomes da cultura

Foto: Arquivo

Do ápice ao fundo do poço, Sayonara foi ponto de encontro de políticos e trouxe grandes nomes da cultura
Caso ainda estivesse de pé, o Sayonara comemoraria, junto aos 300 anos de Cuiabá, seus 65 de existência em 2019. Nascida como um ‘clube das chaves’ e transformada na maior boate do Centro Oeste, a casa foi ao ápice com a mesma intensidade em que caiu no fundo do poço. Em 2003, foi demolida e levou consigo histórias que nunca serão contadas.



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Mas outras ficaram, e foram publicadas pelo músico e geógrafo Neurozito Figueiredo Barbosa, 72, em 2010, em seu livro ‘Sayonara: Brilhos e Escuridão – A história da maior boate do Centro Oeste Brasileiro’. Ele, que foi chefe do ‘Conjunto Sayonara’ de 68 a 74, lembra da história deste que era, além de boate, um ponto de encontro cultural, político e geopolítico.

Neurozito (Foto: Rogério Florentino Pereira / Olhar Direto)

O Sayonara nasceu como boate em 1959, mas antes disso já funcionava como um ‘Clube das Chaves’. Cerca de dez amigos tinham as chaves e marcaram horário para frequentar o local, durante o dia, e levar mulheres ou a família. “Mas, na realidade, era uma casa pra satisfação da libido”, conta Neurozito.

O terreno era de Nazi Bucair, um descendente de turcos erradicados em Cuiabá, que se rendeu ao pedido dos amigos, que queriam um espaço para ir também à noite. Ele construiu o Sayonara, a princípio, pequeno, e somente para os convidados dos que tinham as chaves.

Mas começou a chegar muita gente, cada um foi levando mais amigos, e o espaço ficou pequeno. Nazi, então, construiu um restaurante ao lado da boate. O nome ‘Sayonara’ veio das letras iniciais do nome dos parentes do proprietário. ‘Sa’ de seu irmão Samir, ‘Yo’ de seu pai, Yossef, ‘Na’ de Nazi e Nazira, sua irmã, e ‘Ra’ de Ramis, outro irmão.

Com a chegada de mais e mais fregueses, a casa se tornou importante. Recebia dentre seus clientes nomes como os presidentes Jânio Quadros e Costa e Silva, além de ministros e empresários de todos os ramos.

No palco, se apresentaram nos quase trinta anos de casa 1004 artistas, dentre eles Roberto Carlos, Maysa, Waldick Soriano, Sérgio Reis, Grande Otelo, Alcione, Fafá de Belém, Emilinha Borba, Cauby Peixoto, Beth Carvalho, Vera Fisher, Ronald Golias e muitos outros.

Roberto Carlos se apresentando no Sayonara (Foto: Arquivo)

Mas os anos de glória passaram. Megalomaníaco, Nazi queria dar passos ainda maiores do que suas longas pernas, e, aos poucos, o Sayonara foi se encaminhando para o abismo.  Depois de deixar seu emprego no Banco da Amazônia para dedicar-se somente à boate, viu sua fortuna se perder.

“Ele era muito doido o Nazi. Fazia coisas sem programação, sem projeto, sem plano. Ele falava: ‘eu vou fazer!’, E fazia. Por exemplo, no aniversário do Sayonara ele trouxe quinze artistas de uma vez só. Quem que pagou esse avião? Quem pagou hotel pra eles ficarem? Quer dizer, era louco. Veio Waldick Soriano, Vera Fisher, etc., para o aniversario de quinze anos, em 74”, lembra Neurozito.

Artistas chegando para o aniversário de quinze anos do Sayonara (Foto: Arquivo)

Para acomodar estes tantos artistas e personalidades, Nazi quis construir uma mansão ao lado do Sayonara. O dinheiro foi pouco e ele teve de pedir emprestado ao empresário conhecido como ‘o mais rico de Cuiabá’ na época, João Balão, mas não pagou. “João Balão tomou a casa dele, ficou com a mansão e montou uma boate, chamada Balneário Santa Rosa. [Foi ela que] derrubou o Sayonara”, lembra.

O Balneário abriu as portas em 1976, e atraiu o público pela novidade. “Porque era moderno. No balneário tinha três ambientes, tinha pra família, putas e veados. Isso pra Cuiabá foi um espanto, Cuiabá é tradicional demais. Segrega que Nossa Senhora... e funcionava que era uma beleza. Os veados ficavam paralelos ao palco, as putas à direita, e a sociedade no meio. Foi um estrondo, ninguém quis mais ir no Sayonara”.

Para tentar se manter viva, Sayonara mudou o repertório. Sob conselhos de Neurozito, o conjunto deixou pra trás o samba-canção e o bolero e colocou pra tocar os novíssimos Elis Regina, Wilson Simonal, Ivan Lins, Milton Nascimento, dentre outros.

Mas não adiantou. Em resposta, o Balneário trouxe o fenômeno ‘Zé Lino’, que cantava e tocava pistão. Também tinha três bandas, para a casa não ficar sem música ao vivo nem um minuto.

Apesar do estrondo, o próprio Balneário fechou em 1981, antes mesmo do Sayonara desabar de vez. O que antes parecia modernidade, causou problemas. “No balneário, como tinha muita gente de todo tipo, começou a sair briga, sair tiro, isso expulsa o povo”, conta o músico. “E já surgiram novas situações, novos bares. O pessoal passou a ir ao Bar Pinheiro, no bar do Calil, no Elefante. Porque as coisas mudam. Clube social aqui em Cuiabá, os clubes que eram fechados como Dom Bosco, Náutico, Feminino, todos fecham. As pessoas querem novidade. Outros adquiriram chácaras, no final de semana vai pra chácara, quer dizer, a ideia cansou”. Além disso, havia também os problemas particulares. João Balão e a esposa se divorciaram, e a boate ficou com ela, que não entendia nada de administração. Não deu outra. Faliu.

Quatro anos depois do fechamento do Balneário, foi a vez do Sayonara. Nazi já tinha vendido duas chácaras, outra boate que tinha, chamada Palhoça e, afundado em dívidas, também teve que vender o Sayonara para o grupo Haddad e a família Muller, que prometeu construir, no lugar, um Museu da Música. Não fizeram. No lugar, iam construir um condomínio milionário, que também não saiu do papel.   
  
O Sayonara foi demolido em 2003, contra a vontade do ex-proprietário e também de Neurozito, que à época escreveu um triste artigo para a Gazeta Digital (veja AQUI). Pouco tempo depois, Nazi morreu com problema no coração. Dali a seis meses, Ercília, esposa dele, também faleceu.

Dona Ercília, esposa de Nazi, controlando a mesa de iluminação do Sayonara (Foto: Arquivo)

No local, permanece somente a casa onde Nazi viveu com a família. Seu filho, Robertinho, ainda estava lá, mas também morreu em 2017. Onde era o Balneário, funcionou por muitos anos o Instituto Médico Legal (IML), mas, depois, a mansão também foi jogada às traças.

“Sayonara era um ponto de encontro de poetas, de políticos, de revolucionários, (...) de intelectuais, grandes empresários. Este era um aspecto geopolítico da boate. O aspecto político era a presença de ministros, presidentes da República... na revolução era ponto de encontro deles com os que formavam a oposição em Cuiabá, como Silva Freire, Boré, Bezerra, Antônio Antero, Ronald de Castro, e outros”, lembra Neurozito. Para ele, nenhum lugar conseguiu substituir a boate neste aspecto, nem mesmo o Balneário. Nunca mais.
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