97% das mulheres argentinas já foram vítimas de abuso nas ruas de acordo com o Primeiro Índice Nacional de Violência Machista. Aqui no Brasil, as meninas do Think Olga levantaram em 2013 a campanha Chega de Fiu Fiu mostrando que 98% delas já haviam sofrido assédio, 83% não achavam legal, 90% já trocaram de roupa antes de sair de casa pensando onde iam por causa de assédio e 81% já haviam deixado de fazer algo. E ainda tem gente que contorce o nariz e reproduz em alto e bom tom o machismo: “ai, mas é só uma cantada”. Entenda agora porque isso é crime – e tão necessário que seja punido.

Acredite ou não, mas uma das pessoas que compartilham dessa opinião é ninguém menos que o presidente empresário que está levando o país ao colapso, Mauricio Macri. Enquanto ainda era prefeito da capital porteña defecou pela boca ao dizer durante uma entrevista que não era nenhuma ofensa falar “que bunda bonita você tem” para uma mulher na rua – isso era um galanteio.

Todas as mulheres gostam de ouvir elogio, mesmo que seja acompanhado de uma obscenidade como ‘que bunda bonita você tem’ — justificou o bem lembrado show de horror pelo El País.

“A mí cuerpo no le interesa tu opinión”, era um os cartazes levantados durante as manifestações do “Ni una a menos“ que aconteceram em outubro deste ano em Buenos Aires contra os feminicídios* e o assassinato da jovem de 16 anos Lucía Pérez, violentada até a morte. Tal mensagem responde bem à postura de Macri e de muita gente que não acredita que interromper o livre arbítrio de uma pessoa é admissível. Cabe a cada um determinar até onde vai a liberdade que ela dá do seu corpo. E não se descobre isso falando em um ambiente público sobre a bunda, peito ou órgão sexual de nenhum cidadão (isso inclui transgêneros e homens, claro, por que não?).

 

NI UNA MENOS. Desde Planeta Boca nos adherimos al Miércoles Negro y repudiamos cualquier tipo de violencia contra las mujeres. Nos sumamos y decimos #NiUnaMenos #VivasLasQueremos #MiércolesNegro

Uma foto publicada por Boca Juniors - Planeta Boca (@planetaboca) em Out 19, 2016 às 11:51 PDT

Assim como as estrelinhas do Uber surgiram para mostrar aos motoristas que ser educado e honesto é imprescindível, agora quem ainda não aprendeu a ter respeito pelo próximo terá que entender a equação na marra. A multa para os agressores chega até mil pesos, o equivalente a cerca de R$ 212. A norma foi aprovada nesta quarta-feira, 7, pela Legislatura da cidade e compreende como assédio sexual todos os “comentários sexuais diretos ou indiretos ao corpo, fotografias e gravações de partes íntimas sem o consentimento, contato físico impróprio ou não consensual, perseguição, masturbação e exibicionismo“.

“Nos chamou a atenção a necessidade de mostrar que o assédio sexual é uma prática comum que afeta a vida diária de milhares de mulheres e meninas e que por muito tempo foi totalmente naturalizada”, disse pelo autor do projeto de lei Pablo Ferreyra lembrando que é a partir dos 9 anos que as mulheres passam a ser assediadas nas ruas.

#BastaDeAcoso “Según encuestas las mujeres comienzan a vivir situaciones de acoso callejero a los 9 años de edad” #LeyPrevenciónAcosoSexual pic.twitter.com/8o5qzaaAsV

— Pablo Ferreyra (@PabloRFerreyra) December 7, 2016

Estima-se que a cada 30 horas uma mulher é assassinada por conta de violência de gênero na Argentina.

E se ainda assim você ainda não se convenceu de que “cantada” é crime contra a liberdade da mulher, imagine só antes de sair de casa ter que pensar como você vai, quando vai, que horas, por qual via, qual meio de transporte, levando em consideração o clima e a ocasião para assim então decidir com qual roupa ir para chamar menos atenção ou correr menos risco. Atitude essa que é banal, levando em conta que você pode vestir um moletom 5 vezes acima do seu tamanho e ainda assim ser assediada.


Vídeo mostra o que acontece com uma mulher durante caminhada em NY. O experimento também foi repetido no Brasil e no México.

O grande problema é que muitas vezes a gente se acostuma com tal situação que acha “normal” os homens se comportarem de tal forma porque desde que o mundo é mundo eles são assim. Mas só cai na real quando sente medo e chega bem perto do perigo. Este ano em Belo Horizonte, uma viagem que fiz sozinha, caminhava pela manhã por uma avenida vazia durante um feriado. Meio perdida, meio turista, minha paz é interrompida quando cruzo um cidadão que me diz: “vem cá loira gostosa que eu vou chupar toda a sua boceta”. Eu não sabia onde eu estava e se ele tivesse reagido ao montante de xingamentos com que eu revidei tal abuso, eu não saberia para quem gritar ou para onde correr.

Fazer é política é não admitir mais tal comportamento.

Bom dia, boa tarde, boa noite ainda pode. Pode também tentar algo com alguém desconhecido desde que seja com respeito – e que o mesmo seja usado quando ela disser não, ou te ignorar (que em tese é a mesma coisa). Se a sua companheira gostar de ouvir que é uma princesa, linda ou que vai ser chupada inteira, também pode – desde que antes haja o consentimento da pessoa com a qual você dirige a palavra. Ninguém está falando sobre usar cinto de castidade. Os homens não são os inimigos, são aliados para que a igualdade entre os gêneros seja estabelecida. Deu pra entender ou quer que a gente desenhe?

Foto via El Comercio

Se precisar, veja também um guia didático que ensina as diferenças entre paquera e assédio lançado neste Carnaval.

*O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante.