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Domingo, 28 de abril de 2024

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amor ao próximo

Apesar das dificuldades, um lugar de pessoas mais que especiais: conheça a solidariedade da Apae de Cuiabá

Foto: Naiara Leonor/ Olhar Conceito

Apesar das dificuldades, um lugar de pessoas mais que especiais: conheça a solidariedade da Apae de Cuiabá
A quaresma, período que antecede a Páscoa para os cristãos, é tida como momento de reflexão, sacrifício, doação e solidariedade. Como um lembrete ao ser humano, é a época em que as pessoas se preocupam um pouco mais com o próximo, seguindo a atitude de Jesus Cristo. Em Cuiabá, existe um local que atos de amor, carinho, atenção, compreensão, solidariedade e respeito com o próximo não tem data para ser praticados, um lugar que as pessoas não precisam ser lembradas para se doar. Na última quarta-feira (23), a reportagem do Olhar Conceito visitou esse lugar chamado Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).

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Em meio a tantas dificuldades dessa entidade filantrópica, que atende não só pessoas com Síndrome de Downs, mas deficientes intelectuais e múltiplas (mental, Síndrome de Down, Autismo), encontra-se pessoas da vida real que mais parecem personagens da vida ideal.

Lutadora benevolente incansável

Dona Maria tem 72 anos e há 29 tem uma função muito importante, que mudou sua vida e muitas outras: ela é mãe do Alan, aluno da Apae com Síndrome de Down. Conhecida de todos, ela é uma das mães mais ativas da instituição, sempre acompanhando o Alan, desde quando ele começou a frequentar o local aos 7 anos de idade.

Cuidar do Alan não foi fácil, Dona Maria descobriu que ele tinha a Síndrome quando o garoto estava com dois anos. Depois de algumas internações e três fugas, ela diz que “não troco o meu especial por um normal”.

O companheirismo entre mãe e filho é evidente. Ainda no ônibus circular, a caminho da Apae, eu ainda não sabia quem eram Dona Maria e Alan, mas observava o respeito entre ambos. É como se ele entendesse os sacrifícios da mãe, enquanto ela agradecia pela companhia e alegrias de uma vida.


Dona Maria e o filho Alan

Dona Maria é muito agradecida a Apae, ela destaca a dedicação das pessoas que trabalham para que os excepcionais tenham mais qualidade de vida. “Não é o Alan que é importante para a Apae, é a Apae que é importante para o Alan. Eu sei o valor dos professores, foi por causa deles que o Alan se desenvolveu. Hoje ele se cuida, toma banho, não esquece de tomar os remédios, escreve, lê do jeito dele, entende o que eu falo”, explica a mãe.

Os esforços da Apae para se manter como uma instituição filantrópica também não passam despercebidos aos olhos atentos da mulher. “Ninguém vê o sacrifício, falar é fácil. O Governo ajuda, mas só com os professores, É preciso que vejam eles como cidadãos. Eu vejo o esforço da Dona Eunice, por exemplo, para que não falte o alimento para eles aqui. Eu não queria ter um cargo com essa responsabilidade”, conta a mãe sobre a tarefa da presidente da Apae.

A Coordenadora Lígia, que acompanha a entrevista, comenta sobre muitas vezes ficarem apreensivos por não ter feijão, por exemplo, para o dia seguinte. E então a presidente surge com uma doação suprindo a falta no estoque.

Preocupada não somente com o bem-estar do próprio filho, Dona Maria incentiva as novas mães da instituição a buscarem os direitos dos filhos. “Além da ajuda das pessoas e do Governo, falta às mães ter mais coragem de lutar. O outro não está nem ai para o meu problema. Eu tento ajudar quando elas chegam sem saber o que fazer, falar onde tem que ir para fazer as sessões com a fonoaudióloga e a psicóloga, tento deixar elas a vontade nas reuniões”, relata Dona Maria.

Maestra da Solidariedade

A fé na vida é o que todos tem em comum na Apae, mas ela se manifesta de forma especial na diretora pedagógica Lígia. São 10 anos na instituição de Cuiabá, fazendo sempre a mesma pergunta nas palestras que ministra: Você tem vontade de ajudar o próximo?

A indagação é essencial para aqueles que querem iniciar um trabalho na Apae e a resposta positiva foi o que levou Lígia até o momento atual. “Eu cheguei na Apae pela dor, perdi alguém da família e senti que precisava fazer algo diferente. Quando você trabalha com deficientes começa a dar mais valor nas coisas. Me encontrei como ser humano. Passei a ver a vida com outros olhos, aprendi a ser mais paciente e que cada um tem seu tempo, seu ritmo e que cada dia que levanto é uma vitória”.

A diretora está prestes a se aposentar, mas a paixão pelo trabalho já foi transmitida para a próxima geração, já que a filha é também sua colga de profissão. Para trabalhar com os excepcionais é necessária graduação em educação e pós-graduação em educação especial ou psicopedagogia.

Mas além da formação acadêmica, Lígia reforça que a outras características necessárias para o trabalho. “Não adianta ter teoria se não tiver solidariedade. Tem que querer fazer a diferença na vida do aluno. Se você tiver isso, vai atrás do conhecimento”, enfatiza.

Entregadora de milagres 

“Vim para a Apae a convite do saudoso Domingos Iglesias, fundador da Apae. Assessorei a filha dele na época, Dona Alda. Estou aqui há 11 anos, seis como presidente, estou de saída”, começa Dona Eunice.

Amor e alegria são as palavras constantes nos depoimentos de quem vive o cotidiano da Apae, mas nem só disso vive o homem. As dificuldades de manutenção são a realidade de quem tem a responsabilidade de conseguir doações, para que 201 alunos e suas famílias continuem sendo atendidos pela instituição.

“O Governo Estadual e Municipal fornece os funcionários, o resto conseguimos com doações. O Colégio São Gonçalo é um dos nossos parceiros, com a campanha de arrecadação de alimentos que eles promovem, nossos estoques de produtos não perecíveis chega a durar meses. Mas se tivéssemos mais doadores, nossa luta diária diminuiria”, explica Dona Eunice.

Propagadora do conhecimento, do carinho e da alegria

“Não tem palavras que definam um abraço. O aluno Gilberto me diz todos os dias ‘eu te amo’. Um gesto, um beijo, um abraço, isto é ser professora aqui [na Apae]. Quem não tem amor não fica, aqui o preconceito não existe. Deus não olha com olhos de diferença, aqui não temos cor, não tem pobre, nem rico”, conta a professora Cleyde, que tem nos alunos da Apae a sua família.


Professora Cleyde à esquerda, o aluno Gilberto no centro e a professora aposentada, Conceição à direita

Quanto ao modo de ensino e aprendizagem na instituição, tudo é muito lúdico, um simples objeto vira um personagem da história mais cativante. “O professor da educação especial não é um papel em branco, nem o aluno, eles são coloridos a cada aula, enfeitados e decorados de maneiras diferentes. É preciso brincar sempre, porque nossos alunos são adultos, mas com a mente de uma criança”, explica a professora.

Muito do desenvolvimento do aluno e sua interação se dá por conta do tratamento dele como uma pessoa capaz, esse reconhecimento é o que alimenta a cumplicidade entre professor e aluno. “Como as várias frutas, as diferentes variedades de rosas, as cores, todos somos diferentes uns dos outros, mas que precisam ser tratados como iguais, e é assim que eu vejo meus alunos”, finaliza Cleyde.

Curadoras do corpo, da alma e da mente

A Fisioterapeuta Roberta de 35 anos, já tem 14 deles trabalhando na Apae diretamente com crinças de 0 a 3 anos e suas famílias. Ela explica que há três tipos de Síndrome de Down: translocação, mosaicismo e trissomia do 21.

Roberta explica que na translocação a Síndrome acontece por motivos genéticos, isso quer dizer que os pais devem ser avisados, pois podem ter mais filhos com a Síndrome. No caso do mosaicismo, o paciente possui células normais e células com Down, os pacientes com este tipo são aqueles que alcançar maior desenvolvimento intelectual, social, físico. Enquanto que a trissomia do 21 é o tipo mais comum e conhecido e restringe mais a evolução e aprendizagem.

“É importante que haja a estimulação precoce com fisioterapeuta, fonoaudióloga, assistente social para evitar o atraso no desenvolvimento e para que ele seja amenizado. Quanto mais cedo os pais descobrirem a deficiência dos filhos e procurarem o tratamento, maior será a evolução e qualidade de vida do deficiente. E o mais importante, é preciso acreditar no potencial do seu filho”, enfatiza Roberta.

“As assistentes sociais são a porta de entrada da Apae”, inicia Priscila, que está na instituição a um ano. Ela conta que os pais chegam muito desorientados, sem ter recebido informação dos médicos.

“Meu trabalho é guiar esses pais que chegam a instituição sem saber o que fazer. Sou responsável pela avaliação de novos alunos, pelo acompanhamento deles na instituição e também pelo acompanhamento familiar”, relata a assistente social.

Sobre as dificuldades da profissão ela explica que “o mais difícil é fazer a família entender que os deficientes são capazes de produzir em sociedade, de ser autônomos. Enquanto que para os deficientes, a maior dificuldade é superar o preconceito da sociedade com eles, por acharem que não são capazes de conviver e atuarem como os demais”.

Para melhorar essa visão social sobre a Apae e sobre seus alunos e pessoas deficientes no geral, Priscila defende a difusão da informação. “Acho necessário que haja seminários para a família, para a sociedade, para que eles sejam respeitados como pessoas de direito, para que possam melhor desenvolver e conviver”.
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