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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Caderno H: Cuiabana revela como foi sua última semana em Paris através de notas de viagem

 Notas de viagem (Décimo dia: 11 de maio de 2015, Paris, França)

- Caminhada de fim de dia preferida: Ir da Île Saint-Louis até a Shakespeare and Company através das margens do Sena. No trajeto, temos uma vista espetacular e sempre boa música. Que cidade, meu Brasil. Que cidade.

- Engraçado ouvir a conversa de duas senhoras dos Estados Unidos. Uma delas estava reclamando que a situação em uma cidade próxima a São Francisco estava feia. A região estava ficando sem água. Se eu ouvisse só metade da conversa, pensaria que ela estava falando de São Paulo.

- "Urrum" é um "sim" universal.

- O barulho dos encanamentos neste prédio soam como o exército francês marchando em direção à Rússia.



- Ainda cansada de ontem, decidi uma programação tranqüila em Montmartre hoje. Depois de visitar o museu e os jardins de Renoir, ficarei na Place du Tertre, uma das lembranças mais bonitas que tenho de Paris.

- Quantas vezes temos que passar pela Notre Dame até ela tornar-se ordinária? Eu passo por ela pelo menos quatro vezes por dia e até agora sempre fico boquiaberta. E sempre paro onde quer que seja para ouvir os sinos.

- Uma das piores estações que eu vi até agora tem um dos melhores metrôs.

- Pelo que parece, tinha alguma prova importante hoje. Cerca de três pessoas no metrô estavam lendo cadernos com resumos e anotações. Outra coisa universal: Colinha para a prova.



- Montmartre não é nem um pouco que nem eu lembrava. Hoje em dia não dá nem para andar na Place du Tertre porque tem um restaurante bem no meio. E onde está aquela paleta de luz que ficava entre as árvores?!?! Sumiu.

- A Sacré-Cœur continua bonita. Mas é isso, né.

- Outra coisa: Lendo sobre os cuidados a se ter quando visitar Montmartre, vi em um site que não podemos dar bobeira ao subir as escadas em frente a Sacré-Cœur. Segundo diziam, tem um pessoal meio agressivo que vai tentar te vender bugiganga por preços extravagantes. Não precisa mais se preocupar com isso. Nas escadas agora tem soldados do exército com metralhadoras maiores que eu. Em volta da igreja também tem policiamento pesado.

- Montmartre é um lugarzinho esquisito.



- Na Place du Tertre, os retratistas usam iphones e ipads pra ter o que pintar. Não todos, mas muitos.

- Meodeos, tira um pouco de gente daqui que já está ficando muito apertado.

- Comi um Croque Monsieur hoje. Na boa? O da Chef Eliane Carvalho é mais gostoso. Sem brincadeira.

- Aqui também tem dessa de um cafézinho depois do almoço.

- É impressão minha ou Paris está rápida demais? Parece que as pessoas estão com pressa. Não era pra ser assim.

- De qualquer forma, já estou me sentindo super em casa aqui. Funções corporais normais, emocional estável e simplesmente amando Paris. Mas apesar de tudo (e de querer ficar mais por essas bandas), também estou animada para ir ao sul. Lembrando que os dois primeiros dias em qualquer lugar são os piores.

- Agora que eu estou com roupas de frio apropriadas e despachando metade da minha mala para casa, fica quente demais. Pode parar.

- Antes eu estava com medo de ser feliz em Paris. Agora não estou mais.

- Crianças falando em francês é a coisa mais fofa. Minha tolerância aumenta.

- Momento de auto-compreensão: Eu preciso estar no meu buraco para produzir. Nos cafés e ruas eu gosto de ficar vendo as pessoas e ouvido as conversas (sinto muito, mundo). Uma exceção à essa regra é o café universitário de Heidelberg. Lá era como se eu estivesse no meu buraco.



- Para não esquecer: A conta aqui é "L'addition". Achei engraçadinho.

- O cheiro em Montmartre é forte. Não sei exatamente de que é o cheiro, mas nesse calor fica pior.

- Sobre as escadarias do Sacré-Cœur e sobre a vida: Descer é mais fácil que subir.

- Se você está se perguntando o que vai fazer na terceira idade, tem um grupo de senhoras de cabelos brancos no topo de Montmartre tomando cerveja e conversando como se não houvesse o amanhã. É uma idéia.

- Café pra mim tem que ser bem doce. Ou chocolate.

- Lição de francês: Como dizer "adeus” com elegância parisiense. Primeiro você espera a pessoa falar "Merci beaucoup, au revoir". Aí você, enquanto anda em direção a porta (é importante não parar), responde: "voar" e sai voando.

No museu Montmartre:

- Brilhante o quadro "Le Chat Noir" (1885), de Henry Cros. Quando vi pela primeira vez, achei que fosse uma reunião de gatos, sei lá. Mas depois de ouvir a história: brilhante! No meio, o gato preto representa o cabaré que tinha esse mesmo nome. Em volta são todos os gatos atraídos por ele ou os frequentadores.



- Sabe essas listas que fazem com "os tipos de amigos no facebook"? Na época da comuna de Paris, um artista fez uma caricatura com os "tipos da comuna". Tem o major do comitê central em uma pose travesti, a mulher da barricada que também poderia ser "a barraqueira" e "un zouave de la commune" que está tipo "fazer o que, né, gente? Revolução".

- Eu amo áudio-guia. Depois de contar a história de um quadro de Lautrec que tem um cantor do Le Chat Noir, tocaram uma música dele.

- Precisou de seis anos só pra construir as bases da Sacré-Cœur.

-Montmartre era uma vila rural cheia de moinhos. Agora é uma loucura turística com vista panorâmica de Paris.



- Renoir no Tinder: "Pintor impressionista, residente de Montmartre. Direi que nos conhecemos em um museu. Nos meus jardins pintar-te-ei".

Na idade média, Montmartre era cheio de vinhedos. Para homenagear essa época, construíram um vinhedo. Achei mais digno que fazer um memorial.

- O museu de Montmartre é pequeno e aconchegante. Muito gostosa a visita.

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- Em termos estéticos, não tem biscoito mais bonito que o macaron.

- Toda vez que estou pra comprar alguma porcaria, vem aquela vozinha na minha cabeça e me impede. Essa vozinha também é conhecida como minha mãe.

- Quando poser posa, vai com livro e cara de arrogante. Amei meu retrato.

- Você sabe que o artista gostou do trabalho que fez quando, após concluído, vai mostrar para os outros amigos artistas.

Caso você queria saber, quem me retratou foi o pintor minimalista Bernard Madec, de Marrocos. Dessa vez eu dei a volta na praça umas cinco vezes e disse não pra todo mundo, até achar um que eu gostasse mesmo. E ouvi dizer que o minimalismo está em alta.

- Diálogo bonito: Depois de terminar meu retrato, Bernard foi mostrá-lo para outro pintor. Ele viu e perguntou: “Você é escritora?”. Bernard interrompeu: “Ela gosta de Woody Allen”. O outro pintor perguntou de novo: “Sim, mas você é escritora?”. Um livro faz a diferença.



- Sabe o que eu fico pensando? Muitos dos considerados grandes artistas de atualmente foram, em suas épocas, anônimos que pintavam nas praças e no meio do mato. Será que nessa praça tem um equivalente do Van Gogh contemporâneo?

Montmartre é *longe*, porém simples de se chegar.

- Odeio estação de metrô que só tem aquela faixa amarela de “proteção”. Sempre acho que alguém vai me empurrar e que eu vou morrer ao estilo Anna Karenina.

- Esclarecendo: Se eu estou sozinha aqui, como apareço em várias fotos que não são selfies? Resposta: Eu paro estranhos na rua para eles tirarem fotos de mim nos lugares. Como Paris é cheia de turistas, não é tão absurdo. O segredo é distribuir bem a tarefa pra não ficar chato.

P.S.: Não esquecer de comprar papel higiênico, leite, pão e chocolate.

Notas de viagem (Décimo primeiro dia: 12 de maio de 2015, Paris, França)

- Divar em Paris é colocar um sobretudo por cima do pijama e ir jantar um risoto do outro lado da rua. Sem sutiã mesmo. É tipo: "Licença, turistas, estou passando".

- Depois foi só atravessar a rua de volta e jiboiar. Nem pedi sobremesa. Tinha macarons em casa.
- Não tem como passar fome em Paris porque "eu não gosto da comida".

- Olha, super concordo com Van Gogh sobre a extravagância de Paris. Ser simples em Paris já é ser extravagante. Farei que nem meu amigo e debandarei para o inteiro. Mas só por um tempo.

- Uma coisa que cortou meu coração foi ver um desenhista revirando o lixo para pegar folhas.

- Efeito Montmartre: Subir tantas escadas que no dia seguinte suas pernas doem tanto que você fica inútil.

- Contra-capa do livro "A arqueologia do conhecimento", de Foucault: "Na França, um país que reconhece seus intelectuais como os outros prezam estrelas do rock (...)".

- Na Shakespeare e Company mora um gato obeso chamado "Kitty". Ele é preguiçoso e morde só de mentirinha, apenas encostando os dentes na sua mão. A preguiça dele me representa.

- Na sacola que me deram na livraria, tem a seguinte frase de Oscar Wild: "Eu nunca viajo sem meu diário. Devemos sempre ter algo sensacional para ler no trem". Mantra da viagem.

- Minha filosofia hoje: Me jogar em um sofá de algum café e ler. E ficar nessa preguiça a tarde inteira.

- Nessa região tem muitas pessoas que pedem esmola. Mas elas não fazem isso sozinhas. Elas têm ao lado seus fiéis escudeiros: cachorrinhos e seus filhotes. E parecem que os peludinhos são treinados a fazer cara de dó e ficar dormindo do jeito mais fofo do mundo. *Não consigo* com esse nível de fofura. Como resultado, fiquei sem moedas e com vontade de levar um cachorro pra casa. Mas eles colocam uma placa dizendo que os filhotes não estão à venda.

- Se você for fazer uma caminhada em Paris, faça nas margens do Sena. Essas avenidas grandes me lembram o Rio de Janeiro. Qual o objetivo, né?

- As pessoas estudam na Starbucks, não nos cafés "tradicionais". Engraçado (Sim, gente, eu fui morgar na Starbucks. Os outros cafés são apertados demais).

- Acho que as Starbucks grandes têm a mesma ambientação que alguns cafés tinham antes aqui. Pessoas lendo, estudando, escrevendo, conversando, dormindo, morgando (eu).

- Eu sou parte desta triste geração que tem um celular colado na mão. Fazer o que.

- Se só falarem bem, você está fazendo algo errado.

- Amar é uma grande bosta, né, minha gente. Mais um frappuccino, por favor.

- Grandes clássicos da literatura com protagonistas femininas são histórias de mulheres que estavam entendidas e depois se ferraram.

- Não tem coisa mais libertária que se livrar da obrigação de ser livre.

- Se alguém perguntar, eu pratico o de boismo.

- Do lado de casa tem uma loja de cadernos. Tortura define.

- Se você vier a Île Saint-Louis, recomendo jantar no "Auberge de la reine blanche". A comida é muito boa. E se você gosta de vinho, mas não toma a garrafa, aqui é o lugar. Comida boa com preço muito razoável. A decoração também é fofa. Vinho e móveis são o tema.

- Enquete: Vocês acham que a paixão é algo que dura e deve ser trabalhada ou que é um sentimento inicial e efêmero?

Notas de viagem (Décimo segundo dia: 13 de maio de 2015, Paris, França)

- Na estação de trem, eu precisava comprar um bilhete, mas estava do lado errado e as catracas estavam travadas. Um senhor francês se ofereceu para passar o cartão dele para que eu pudesse comprar meu bilhete do lado certo. Ele passou o cartão e foi embora. Simples assim. Sinto dizer, mas vocês estavam todos errados sobre os franceses. E isso aconteceu antes das oito da manhã.

- Juro que quando passei pela estátua de Luis XIV em frente a Versalhes, eles disse: "Continuo sendo o estado em todo o seu esplendor, queridinha".

- Eu realmente estava com saudade da minha amiga Maria Antonieta. Combinamos um almoço hoje. Isso se essa fila pra eu entrar no castelo acabar um dia.

- Entre outras notícias, tenho um pau de selfie e não tenho medo de usá-lo.

- Cada salão no castelo de Versalhes é mais bonito e extravagante que o outro. É uma explosão de cores, detalhes, ornamentos, decoração, pinturas, tecidos... Meu Deus, os tecidos. Quero uma parede que nem a do Luis XIV (de veludo vermelho ou verde. Ou azul).

- Visitar Versalhes é como ser um boi em uma boiada passando de um pasto a outro. Os humanos amam essa proximidade anônima da multidão, né. Que isso.

- O quadro “A coroação de Napoleão” é impressionante. Mesmo, mesmo.

- Em Versalhes tem fila pra comprar bilhete, pra entrar no castelo, pra entrar nos salões, para sair dos castelos, para ir ao banheiro, para entrar nos jardins, para pegar o trem, para sair do trem, pra comprar uma água. Gzuz, me ajuda.

- Maria Antonieta simplesmente sambou na decoração. Os quatros oficiais em Versalhes que foram dela já tinha sido de outras rainhas. Mas ela disse, "Foda-se essa merda, chama meu arquiteto". E aí redecorou tudo.

- Diferenças culturais no banheiro: Enquanto as ocidentais retocam o batom, as mulçumanas (com burca e tudo) retocam as sobrancelhas.

- Comi meus cookies clandestinamente na fila do trem para o Grand e Petit Trianon. Só o que faltava era confiscarem meus cookies. Não pode isso, não pode aquilo, blá blá blá.

- Versalhes é realmente gigante, mas mostram tão pouco que nem demora tanto assim a visita. E sabe o que eu queria ver? Os banheiros reais. Isso eles não mostram (Adendo: Você pode ver os banheiros da época no Petit Trianon. São duas salinhas, uma com o sanitário de madeira e outra com uma cama que acho que é uma banheira).

- E não se engane, colega: Se você comprar a entrada para ver tudo (Castelo, jardins, Grand e Petit Trianon e o Grand Canal), vai ter que pagar extra no trenzinho para te levar nos lugares. E a fila é insuportavelmente lenta.

- As pessoas tem a pachorra de olhar um salão do Grand Trianon e dizer "nada demais”. Sobre o Grand Trianon: Era a casa “privada” de Luis XIV. Várias outras pessoas da realeza moraram lá depois, inclusive a esposa de Napoleão, Imperatriz Marie Louise).

- Cheiro maravilhoso nos jardins do Grand Trianon. Sem sarcasmo. As flores e árvores estavam uma delícia de cheirar (pode cheirar, gente, eu deixo).

- Acho que a parte que eu mais gosto da visita são os domínios da Maria Antonieta. Em 2009, visitei só o Petit Trianon. Dessa vez deu para ir no Templo do Amor, andar pelos jardins e visitar a vila que ela criou para a fantasia campestre dela. A última rainha da França realmente criou um tipo de conto de fadas ali. Seria ótimo e teria ficado tudo lindo para sempre se ela não fosse a rainha. Ninguém se importa com a extravagância da Paris Hilton hoje em dia (não a ponto de levar ela para a guilhotina).

- Minha mãe sobre Versalhes: “Se vendesse esse lugar, dava para salvar a África”.

- Ainda sobre os Domínios Maria Antonieta: Na vila de mentirinha dela, tem um lago em frente. Acho que nunca vi um lago com tantos peixes na minha vida. Tinha peixe vazando da água, sério. Se eu caísse em um lugar desse, morria de ataque de pânico fulminante.

- Que delícia andar pelo pequeno paraíso da Maria Antonieta.

- Sobre o Petit Trianon: Ele foi construído originalmente para Madame de Pompadour, amante oficial de Luis XV e poderosíssima na época. (Sim, a amante, nesse caso, tinha mais influência e poder do que a rainha). Infelizmente, Madame P. morreu antes de o Petit Trianon ficar pronto. A última amante de Luis XV, Madame Du Barry, chegou a morar nele. Depois, quando da morte de Luis XV, Luis XVI (o que foi morto na revolução francesa), assumiu e o presenteou à sua jovem e belíssima esposa, Maria Antonieta.

- Será que Maria Antonieta seria um símbolo tão grande do esplendor monárquico se ela não tivesse sido assassinada na guilhotina? Provavelmente seria famosa, mas não tanto. Ídolos tendem a ter uma morte trágica.

- Na cidade de Versalhes, do lado da estação do trem RER, tem um hotel nas características do castelo. Quando vi pela primeira vez, achei realmente que fosse Versalhes. Para você ver o nível da riqueza.

- Triste fato: Acho que dormi de boca aberta no trem de volta para Paris.

- Fato feliz: Acho que aprendi a pegar o trem sem muita confusão.

- Antes de voltar para casa, jantei em um restaurante aqui perto. Só digo uma coisa: Barman bonito, educado e gente boa é um presente para a humanidade.

- Aliás, a ponte aqui na Île Saint-Louis (a do meio) estava policiada de ponta a ponta. E tinha barcos da polícia atravessando o Sena. Acho que aconteceu alguma coisa. Ou tem alguém importante circulando por aí.

- Quando cheguei em casa, desmaiei quase imediatamente de cansaço. Acordei agora pouco e ainda estou cansada. Vou assistir o filme “Maria Antonieta”, da Sofia Coppola, enquanto descanso para a programação de amanhã.

- Na sexta-feira, deixo Paris. Só não fico triste porque volto em julho.

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